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De visita aos territórios afetados pelas chamas, o primeiro-ministro retomou esta semana a tese de dar prioridade aos “interesses que sobrevoam” os incêndios. Diz Luís Montenegro que dorme mais descansado se o seu Governo estiver a “combater o crime”. Quanto a isso pode o país estar tranquilo: se há capítulo em que o trabalho das autoridades é reconhecido internacionalmente, é na investigação a fogos florestais. Os dados mostram, de resto, que o caminho feito pelas polícias e pelos tribunais tem dado frutos, fazendo aumentar as detenções e os mecanismos preventivos de controlo de suspeitos em períodos de risco.
O que deixa o país menos descansado, e deve levar o Governo a perder o sono, é que os problemas estruturais da floresta e do território estejam há tantos anos identificados, mas continuem por resolver. Da falta de cadastro ao desordenamento florestal, da deficiente gestão de combustíveis à incapacidade de gerar rentabilidade, o diagnóstico está feito. Faltam terapêuticas aplicadas com consistência.
Quando a aflição das populações enche noticiários, o consenso quanto à importância de investir em políticas de valorização da floresta é inequívoco. Assim que chega a chuva, as opções políticas tornam-se intermitentes, o compromisso entre partidos inexistente e o envolvimento da comunicação social deficiente na sua missão de aprofundar os temas para além da espuma dos dias.
Olhar para a floresta exige tempo (e nenhum político gosta de apostas cujos resultados escapem aos ciclos eleitorais), continuidade nos modelos trabalhados com os proprietários e inovação na economia verde. Mais do que isso, não se pode olhar para o espaço rural sem encarar o problema do despovoamento e do que se pretende fazer com uma boa parte do território. O que, parecendo simples, interessa muito pouco à maioria dos eleitores. Continuamos a ouvir ciclicamente os especialistas, para ignorar, na ação, o que eles sabiamente recomendam.