A primavera chegou há cerca de uma semana e os incêndios já ocupam os alinhamentos noticiosos. Não porque as redações os redimensionem. Neste caso, o real das notícias reflete a realidade dos acontecimentos. No entanto, há um país político atento ao mínimo deslize no combate aos incêndios e uma noticiabilidade que estará hipersensível ao tema. As temperaturas não estão propriamente elevadas, mas já se percebeu que tudo está a aquecer em vários contextos.
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Todos nós sabemos que um inverno pouco rigoroso nas chuvas não vaticinará dias quentes muito tranquilos. Podemos igualmente calcular que uma floresta ao abandono durante décadas não se ordena de um ano para o outro. Também as contínuas reivindicações dos bombeiros não permitem imaginar recursos humanos muito motivados para combater os fogos. Se a isto acrescentarmos o ano eleitoral que teremos pela frente, deveremos temer o que acontecerá até ao outono. Que terá sempre grande destaque nos media noticiosos. O alerta é máximo. De todos.
Na Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa já avisou. "Voltasse a correr mal o que correu mal (em 2017), nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria, só por si, impeditivo de uma recandidatura", disse, em entrevista ao "Público" e à Rádio Renascença em maio do ano passado. O aviso está feito. Certamente ninguém esquecerá o duríssimo discurso que Marcelo proferiu a 17 de outubro de 2017 em Oliveira do Hospital: "O presidente estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade ela terá de deixar de existir". A ameaça não poderia ser mais contundente. Porque, como sublinhou na altura o PR, "mais de 100 mortos em menos de quatro meses são uma interpelação política".
Não há, pois, mais espaço para outras tragédias. O Governo sabe disso. Daí ter publicado, por estes dias, um despacho com a declaração de situação de alerta entre 27 e 31 de março, com base em previsões meteorológicas que apontam para um "significativo agravamento do risco de incêndio florestal". António Costa não vai facilitar. A oposição também não. Anteontem, Rui Rio veio já dizer que o Executivo nada fez ao nível da prevenção e do combate aos incêndios. Eis aqui os primeiros sinais daquilo que serão os próximos meses: perante uma qualquer ameaça de uma súbita subida das temperaturas, o poder central decretará medidas que minimizem todos os riscos, colocando em alerta máximo todos os atores envolvidos no combate aos fogos; em caso de frentes ativas, a oposição saltará de imediato para o palco das críticas ao Governo. Ninguém esquece que haverá eleições legislativas em outubro.
Neste contexto, a cobertura mediática dos incêndios será um elemento sensível. Sem nenhum acordo de autorregulação, os media vão estar no olho do furacão, podendo ser acusados de sensacionalismo ou de silenciamento, conforme as partes que esgrimam os argumentos quanto ao modo como os jornalistas vão trabalhando no terreno. O certo é que o tema integrará sempre a agenda mediática. Porque há um país que, em 2017, paralisou frente a uma tragédia que nunca deveria ter acontecido e que, desde aí, está muitíssimo vigilante em relação ao modo como as chamas avançam. Percebe-se bem essa preocupação.
No entanto, convém distinguir o que é importante e o que não passa de uma opção editorial pirómana. Um incêndio com proporções consideráveis, mas completamente dominado poderá ser notícia através de uma peça noticiosa. Nunca através de intermináveis diretos que nada apresentam em termos informativos. Por estes dias, houve incêndios relevantes, mas o país não está a arder de forma descontrolada. Convém ter a noção dessas proporções. Para sermos capazes de avaliar o que é verdadeiramente grave. E tomar medidas adequadas.
* Professora associada com agregação da Universidade do Minho