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Os incêndios não começam no verão, nem nas florestas. Têm origem muito antes, quando se decidiu que quase tudo o que conta - poder, investimento, oportunidades - deveria ficar concentrado em Lisboa. Esse fogo lento, a que chamamos centralismo, consumiu o interior por dentro, despovoando-o. São décadas de êxodo em Portugal. Enquanto os ministérios, os serviços públicos e as empresas florescem na capital, as aldeias foram ficando vazias. Os jovens partiram porque os empregos e as oportunidades estavam noutro lugar. As terras ficaram ao abandono, as escolas e os centros de saúde fecharam portas. Ano após ano, o combustível foi-se juntando, à espera da faísca inevitável. A cada verão, a sentença escreve-se em fogo. Em tantas terras do nosso interior, o dia começa e acaba ao som de sirenes. Homens e mulheres enfrentam labaredas com enxadas e baldes cheios de lágrimas. Os mais velhos recusam sair porque as suas casas são vida, memória e identidade. Na capital, os incêndios são manchas no mapa e gritos desesperados através das televisões. O centralismo crónico não só gerou abandono como o cristalizou. Quando todos os caminhos levam à mesma cidade, os outros territórios ficam condenados. Portugal é o terceiro país mais centralizado da Europa. Continuamos sem coragem para reformas que corrijam esta assimetria. E, ano após ano, arde a floresta e a esperança de que Portugal possa ser verdadeiramente inteiro. Não tenho dúvidas: os incêndios são um reflexo do centralismo que destrói o país.