Sabe o que é? Eu descobri há pouco tempo. E vou revelar-vos a minha surpresa.
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O Código do Procedimento Administrativo institui as regras e formalidades a que estão obrigados os órgãos do Estado e da Administração Pública (dirigentes e funcionários) nos processos de decisão e de relacionamento com particulares. São nove esses princípios ou deveres. Vale a pena referi-los todos porque da sua aplicação rigorosa depende a confiança dos cidadãos no Estado e nos seus organismos: a prossecução do interesse público, a igualdade e proporcionalidade, a justiça e imparcialidade, a boa-fé, a colaboração e a participação, a desburocratização e eficiência, a gratuitidade e, finalmente, o dever de decidir e de se pronunciar sobre os assuntos que lhes sejam colocados. Neste ponto, no dever de decisão, o código estipula prazos para que as mesmas sejam tomadas e comunicadas, exigindo que decisões de indeferimento sejam fundamentadas. Quando o Estado não decide nos prazos, nem há fundamentação de indeferimento, considera-se que a solicitação ou reclamação foi atendida e a decisão é favorável ao cidadão. É o princípio do deferimento tácito.
Tudo bem até aqui. O problema surgiu quando se acrescentou que, perante o eventual incumprimento, por parte da administração, do dever de decisão no prazo fixado, o Código confere ao interessado a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respetivo meio legal de impugnação, isto é, para poder enveredar pela via judicial.
E é aqui que está o "indeferimento tácito", a inversão de um bom princípio. Previsto como mecanismo para proteger os particulares, é usado de forma abusiva, subvertendo o princípio do dever de decisão e prejudicando gravemente os cidadãos. Subverte o princípio porque desresponsabiliza os responsáveis de responder fundamentadamente às solicitações ou reclamações que lhe são apresentadas. Prejudica os cidadãos e as entidades porque as "empurra" para a via judicial - como se os tribunais fossem um caminho fácil, rápido, acessível e sem custos.
Com o uso deste mecanismo, os responsáveis da administração pública podem dispensar-se de tomar conhecimento dos documentos apresentados pelos cidadãos. Não precisam de ler, não precisam de decidir, não precisam de fundamentar uma decisão. Basta deixar correr o tempo. No final, aplica-se o indeferimento tácito e quem quiser (ou puder) que reclame nos tribunais!
E, desta forma, todos os outros princípios - interesse público, boa-fé, justiça, igualdade e proporcionalidade, desburocratização, gratuitidade - são igualmente desrespeitados, ficando em causa a confiança dos cidadãos e a segurança jurídica perante o Estado.
*Professora universitária