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A barbárie com que os seres humanos se confrontam na guerra, com milhares de civis mortos, feridos e estropiados, é a mesma que, no seu microcosmos diário, os agressores usam na violência doméstica. O relatório anual do MP, que já citei, sublinha-a como um dos fenómenos criminais que maior aumento tiveram. Quanto aos menores vítimas, cresceram 151%; os idosos, 31,4%. No conceito alargado de violência doméstica foram instaurados 35 626 inquéritos. Os números são assustadores, neles não estão incluídas as mortes provocadas por este tipo de violência e perspectiva-se uma tendência para o seu progressivo aumento. Não é, porém, uma realidade exclusivamente nossa. Um jogador da selecção sul-africana revelou que aos cinco anos apanhou alguns dentes do chão, de sua mãe, vítima de violência doméstica e proferiu a acertada e assertiva frase “se educarmos os nossos filhos, não teremos de proteger as nossas filhas”. Por todo o Mundo a violência doméstica, sobretudo contra mulheres, crianças e idosos, é uma praga que importa extirpar das relações humanas. Não obstante a legislação portuguesa que vem sendo criada, de forma atenta e oportuna, adaptada à gravidade das situações, importa ir mais além e nomeadamente apostar na educação e na cidadania dos nossos jovens, bem como na divulgação das medidas adoptadas e a adoptar em defesa das vítimas. A Associação Portuguesa das Mulheres Juristas promove uma conferência sobre “A violência de género”, na próxima terça-feira, na Ordem dos Advogados. O TC decidiu, recentemente, não julgar inconstitucionais as normas que permitem o afastamento da pessoa agressora na diligência de tomada de declarações para memória futura às vítimas especialmente vulneráveis, bem como as do CP que prevêem a qualificação do homicídio da vítima numa relação de namoro ou de união de facto. O Estado tem legislado no sentido de minorar as consequências físicas, psicológicas e económicas das vítimas, com o Estatuto da Vítima, o direito a uma indemnização monetária garantida por uma comissão criada no âmbito do Ministério da Justiça, a existência de casas de abrigo para as vítimas e filhos menores. O/a agressor/a, por seu lado, pode ver restringidos os seus direitos. Segundo o CPP, este/a pode ficar impossibilitado/a de permanecer na residência da família, de se aproximar da vítima e pode ver limitado o exercício de responsabilidades parentais. O Brasil proíbe o exercício destas responsabilidades pelo/a agressor/a. Concordo. Quem comete um crime de violência doméstica não tem condições de personalidade e de carácter para partilhar com a vítima a formação e a educação dos filhos. Todas estas medidas têm sido insuficientes para travar o aumento deste tipo de crimes, que é também uma ofensa aos direitos humanos das vítimas. Viver numa perturbadora, perigosa e disruptiva realidade familiar prejudica gravemente o futuro, não só das vítimas directas, como dos filhos da violência. Sofre também a sociedade.
a autora escreve segundo a antiga ortografia