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1. O Mundo começa a acostumar-se à ocorrência de fenómenos inéditos e inesperados ainda que previsíveis. Acontecem coisas que nunca tinham acontecido e julgava-se que nunca iriam acontecer. Mas depois do acontecimento surge alguém para afirmar que já tinha prevenido! Uma declaração, um texto ou até um estudo que poderia ter sido tomado como um alerta precoce mas que foi ignorado e não serviu para que fossem tomadas as medidas capazes de o prevenir.
2. Não é apenas o caso das catástrofes naturais. As cheias do Douro derrubaram a ponte de Entre-os-Rios assente sobre pilares carecidos de melhor manutenção. Os incêndios florestais na primavera e no outono de 2017 foram precedidos de previsões meteorológicas acertadas mas ninguém adivinhou que os fogos pudessem atingir aquela trágica dimensão. Contudo os estudos sobre as alterações climáticas apontavam há muito para a importância da limpeza das florestas e a urgência de uma nova política florestal, livre de pinheiros e de eucaliptos.
3. A rápida progressão de surtos contagiosos como a covid-19 continua a acelerar ao ritmo frenético do processo de globalização. Fronteiras e distâncias geográficas deixaram há muito de ser o que eram. Mas a velocidade inédita do fenómeno surpreendeu até os países mais desenvolvidos que, de repente - da Ásia à Europa e às Américas - se acharam sem máscaras, luvas, desinfetantes ou ventiladores suficientes para socorrer as inúmeras vítimas.
4. Pelo menos desde a terça-feira negra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, não há crise financeira que não seja objeto de previsão largamente antecipada e teimosamente repetida. Foi assim com a última, em 2008, e será assim com a próxima que já vem sendo anunciada há alguns anos... Contudo, desde que iniciou funções, o Governo dos EUA tem vindo a revogar muitas das medidas tomadas pelo seu antecessor para prevenir a formação de novas bolhas financeiras.
5. Pelos anos oitenta do século passado, economistas, sociólogos e filósofos cunharam uma expressão para designar os novos tempos. Chamaram-lhe "sociedade de risco". O Clube da Esquerda Liberal - de que fiz parte, com muito gosto! - até criou uma revista com esse nome: "Risco". Além de constatar a emergência do fenómeno e a perturbação profunda e inevitável que acarretaria, a palavra envolvia uma dimensão apologética a favor de um modelo de sociedade emancipada do paternalismo estadual, amiga da iniciativa privada, da liberdade individual e da criatividade. Ideias virtuosas, sem dúvida, mas que também serviram para facilitar a desregulação global e o caos internacional a que chegamos. Porque, para enfrentar o risco, não basta a vontade de mudar. Há que lhe dar um sentido e ponderar seriamente os valores nucleares da sociedade que pretendemos alcançar.
*Deputado e professor de Direito Constitucional