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A propósito da recente polémica provocada por segmentos de um livro com repercussões políticas, atribuindo ao primeiro-ministro actos e actuações reputados por este como ofensivos da sua honra e consideração, debrucei-me sobre a eventual amplitude jurídico-criminal do assunto. Recuperei a minha velha convicção de que, em Portugal, a honra e o carácter das pessoas pouco valem no âmbito penal. Inseridos no Código Penal (CP), em capítulo autónomo, os crimes de difamação e injúria, atentas as penas para eles previstas, são de somenos relevância jurídico-penal. Tais ilícitos, se não ocorrerem quaisquer qualificativas, são puníveis com pena de prisão de um a seis meses ou com pena de multa até 240 dias, e com pena de prisão de um a três meses ou com pena de multa até 120 dias, respectivamente para os crimes de difamação e de injúria. Aquelas molduras penais são inferiores às previstas para alguns crimes contra o património, como os do furto simples, abuso de confiança sem qualificativas ou de dano, entre outros. No caso de tais ilícitos serem praticados através de meios ou circunstâncias que facilitem a sua divulgação, as penas serão elevadas de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo. No caso de serem praticados contra membro de órgão de soberania ou outras autoridades públicas, elencadas na l) do n.o 2 do art.o 132.o, por força do art.oº 184.o, ambos do CP, as penas serão agravadas de metade nos seus limites mínimo e máximo. São penas aplicáveis à pequena criminalidade. Porém, o bem jurídico protegido pela incriminação destes ilícitos centra-se na protecção constitucional ao bom nome, honra e reputação que a pessoa goza na comunidade, bem como protege a dignidade inerente ao ser humano. Não só a CRP protege estes bens jurídicos, também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos prevê restrições ao direito de liberdade de expressão quando em causa estão a protecção da reputação, carácter e direitos das pessoas. São gravíssimos os factos criminosos que violam direitos fundamentais do ser humano e excepcionalmente graves podem ser as consequências para a vítima, que vê o seu nome, o seu carácter e a sua dignidade humana postos em causa, até enlameados na praça pública. Sempre pensei que as penas previstas para estes crimes são desajustadas, por defeito, face aos bens jurídicos violados e ao valor ético superior do direito, de cada um, ao bom nome, dignidade e carácter. A honra, a honestidade e a integridade é o que de melhor guardamos de nós, passível de transmissão à família que transportará para o futuro os valores democráticos, éticos e morais que seguimos. Em minha opinião, é tempo de o legislador reflectir sobre a superior importância dos bens jurídicos protegidos e da potencialidade da prática de tais ilícitos resultarem consequências negativas sobre a dignidade, honradez e vida das vítimas, por vezes inexoravelmente permanentes.
*Ex-diretora do DCIAP
A autora escreve segundo a antiga ortografia