A tomada de posse de Donald Trump, no final da semana passada, confirmou os piores receios sobre aquilo que nos espera nos tempos mais próximos, com um discurso sem qualquer sinal daquilo que habitualmente designamos por "sentido de Estado" e onde não houve lugar, nem por uma vez, para a palavra democracia. Inquietante é uma boa expressão, talvez a mais adequada para qualificar os primeiros sinais da administração Trump, confirmados, aliás, na sua visita à CIA, onde elegeu a Comunicação Social como a sua maior adversária, o que não deixa de ser revelador.
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Um par de dias depois da posse de Trump, no domingo, o jornal espanhol "El País" publicou uma extensa, interessante e muito pedagógica entrevista com o Papa Francisco (gravada à mesma hora da posse do 45.º presidente dos EUA, explicam os entrevistadores), que o confirma como uma das grandes referências do humanismo nos tempos que correm. Nela, o Papa discorre com uma franqueza e uma lucidez que impressiona, podendo ou não concordar, sobre temas da atualidade, do populismo à imigração, da violência sobre as mulheres à Comunicação Social, em particular a televisão (que não vê desde 16 de julho de 1990...), passando pelo papel da Igreja na sociedade. Bem traduzida na expressão "o cristianismo ou é concreto, ou não é cristianismo".
Uma entrevista que merece ser lida e onde Francisco não esconde o seu antagonismo com os populismos. "Em momentos de crise não funciona o discernimento, que para mim é uma referência contínua. Buscamos um salvador que nos devolva a identidade e defendemo-nos com muros, com arame, com o que seja, dos outros povos que nos possam "roubar" a identidade. E isso é muito grave". Na questão da imigração, o Papa coloca o cerne na abertura à diferença e à integração, "acolher e integrar".
Trump e Francisco são hoje dois ícones globais do estado a que o Mundo chegou. Um Mundo (ou dois?) dividido entre a inquietação e a esperança, entre o populismo e o humanismo. E mesmo do ponto de vista de uma socialista, laica e republicana, como a que assina este artigo, entre os dois, repito, entre os dois, entre o mundo de Trump e o mundo de Francisco, é certamente o mundo de Francisco que mais sentido faz. É pela esperança que vale a pena batermo-nos. No concreto, como deve ser.
* SECRETÁRIA-GERAL-ADJUNTA DO PS