<p>Poucos serão os adeptos incondicionais deste Governo, mas isso não significa que haja muita gente disponível para mudanças de cheque em branco. Passos Coelho, que ontem afirmava no "Expresso" estar pronto para governar com o FMI pode parecer mais rápido que a própria sombra (possivelmente, mais rápidos do que ele são alguns dos que o rodeiam). Calma! Antes é preciso derrubar o Governo, é preciso convencer CDS, PCP e Bloco a votarem uma moção de censura; depois, ainda é preciso vencer eleições e, quem sabe, no PSD é sempre de desconfiar, entre uma coisa e outra pode sempre aparecer quem queira o poder dentro do partido e estrague as contas que as sondagens, sem surpresa, mostram dar vantagem ao líder social-democrata. O PS saiu de imediato ao caminho de Passos Coelho, mas a verdade é que ele não abriu as portas ao FMI; respondeu apenas a uma pergunta ("Trabalharia com o FMI?"), e fê-lo até com elegância. Mas é bom que fique claro: se os partidos forem insistindo na tese de que a sua estratégia é a melhor, o mais natural é que Sócrates leve o Governo até ao fim da legislatura, enquanto o PSD vai fazendo planos, o BE e o PCP medindo qual o mal maior, se o PS minoritário se a Direita absoluta e Paulo Portas tentando crescer para que o PSD o ache necessário (os sociais-democratas preferem a expressão parceiro natural).</p>
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Insisto pela enésima vez: patrões, sindicatos e partidos fariam melhor em tratar de encontrar uma plataforma comum. Não, não é um governo de salvação nacional. O que faz falta, cada vez mais falta é estabelecer acordos que nos permitam fazer caminho sem sobressaltos. Já sabemos que não podemos gastar o que não temos. Já sabemos que temos juros de dívida em cima dos nossos ombros e dos dos nossos filhos e netos para pagar. As regras não serão muito diferentes com FMI, sem FMI, com este Orçamento ou com o que Pedro Passos Coelho venha a apresentar quando um dia chegar ao Governo. O que é preciso é ganhar estabilidade, ganhar competitividade, produzir mais e melhor, criar empregos, evitar a tensão social que vai crescer, a fome que se instala com uma força que certamente nem no início do século passado o país terá conhecido.
As centrais sindicais, agora que fizeram o seu protesto, até poderão estar disponíveis. Não foi um grande protesto: se os transportes públicos não tivessem parado notar-se-ia menos ainda o efeito da greve. Mas grande ou pequena ela cumpriu várias missões: o direito à greve existe, como se prova; os patrões não poderão contar com a crise para quase obrigar quem tem emprego a agradecer-lhes por isso e, enfim, foi um escape de que certamente a sociedade precisava para que se deitasse fora o descontentamento que vai crescendo. Mas se as centrais estão realmente convencidas de que o protesto de quarta-feira foi o maior de sempre, então juntem-se aos partidos que tardam em renovar-se e juntem-se aos patrões que tardam em modernizar-se e em compreender como o Mundo mudou e, todos em conjunto, ajudem-nos, ao menos, a ter sorte, porque racionalmente já lá não iremos.
P.S.: António Marinho e Pinto venceu as eleições para bastonário dos Advogados. É bom saber que, de dentro do sistema, a Justiça continuará a ser implacavelmente observada e que os excessos e as manobras serão denunciados publicamente, sem espírito corporativista.