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Muito se fala da necessidade de impedir a falência das empresas cujo desaparecimento traz consigo desemprego e destruição do tecido produtivo e gera um risco elevado de contágio. Naturalmente que há empresas insustentáveis, por razões exógenas ou endógenas, mas há muitas outras que, apesar de passarem por dificuldades temporárias, podem ser recuperadas. Por essa razão existe a figura jurídica da insolvência. Infelizmente, e dado o estigma da palavra, ela nunca foi vista pelo empresário como uma ferramenta de reestruturação, mas como um caminho para o abismo. Trata-se de um problema cultural que se estende a todos os atores envolvidos no processo, desde os administradores de insolvência, juízes, delegados do Ministério Público, aos trabalhadores e credores, sejam eles fornecedores, bancos, segurança social ou a fazenda pública.
Atento ao problema, e instado pelo memorando da troika, o Governo anunciou a criação do programa "Revitalizar" que pretende alterar este estado de coisas. Sucede, contudo, que o programa não tem condições para funcionar se não forem introduzidas alterações a leis que, de facto, impedem a recuperação das empresas em situação de insolvência.
O problema reside no artigo 125º do Orçamento do Estado de 2011, que determina que as leis fiscais se sobrepõem às leis da insolvência, mesmo nas recuperações em curso. Este aditamento constituiu uma hecatombe para as recuperações das empresas, e tem criado uma miríade de decisões díspares na jurisprudência dos tribunais superiores, acarretando a liquidação de empresas com planos de insolvência aprovados antes da lei entrar em vigor e ulteriormente homologados, o que resulta num efeito retroativo. Tudo isto porque o critério da Fazenda Pública e da Legislação Fiscal é o da total indisponibilidade do crédito tributário bem como o prevalecimento da data do vencimento do crédito sobre a data do fundamento da dívida. Ou seja, o que prevalece é a data em que a autoridade tributária emite o título e liquida o tributo, o que é fatal para a estabilidade de um processo de recuperação, pois poderão surgir, depois de viabilizada a empresa, créditos com data anterior à da insolvência mas liquidados ulteriormente, que não ficam sujeitos ao plano de recuperação.
Como se isto não bastasse, acrescem ainda as exigências absurdas feitas às empresas a nível de garantias a prestar para se obter a concordância da Fazenda, o que na prática implica que o Fisco inviabiliza todas as tentativas de recuperação, contrariamente à Segurança Social que é um parceiro ativo e interessado na sua sobrevivência.
Por isso, se o Governo está empenhado na recuperação e revitalização do tecido empresarial, deve garantir que a Fazenda Pública, tal como a Segurança Social, intervenha como credor sim, mas sem direitos especiais, tendo como finalidade a viabilização da empresa. Tanto mais que, declarada a insolvência, a empresa não tem como pagar essas verbas à fazenda, pois que logo que o juiz declara a insolvência, a empresa está impedida de pagar dívidas e, mesmo que seja o empresário a tentar fazê-lo, a repartição de finanças recusa-se a receber os montantes em dívida.
Compreende-se que a Fazenda Pública faça o que está ao seu alcance para cobrar as dívidas dos contribuintes, e reconhece-se que esse esforço tem tido resultados positivos. Já não se entende que ocupe uma situação de privilégio face a outros credores, em que se inclui, aliás, a segurança social. Pior do que isso, não é aceitável que a inflexibilidade da norma do OE resulte numa destruição do tecido produtivo que acaba por ter consequências mais nocivas para o Estado do que o perdão de uma parte da dívida que, em muitos casos, permitiria a recuperação da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.
Há muitas empresas que são recuperáveis, que podem sobreviver às dificuldades conjunturais que se conhecem. Para isso, é necessário que o Estado tenha vontade e políticas claras e não contraditórias, e que o Governo opte por uma linha de atuação definida, em lugar de proclamar medidas de carácter panfletário e pouco eficazes.