Inteligência emocional, curadoria e criatividade territorial (II)
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A grande novidade das próximas gerações é que a inteligência coletiva estará muito para lá das fronteiras regionais e germinará no universo da cibercultura. É o tempo das gerações Y e Z, as gerações dos screenagers e da internet móvel em todas a suas variantes técnicas. Os cibernautas das gerações Y e Z (nascidos de 1980 para cá) são muito mais criativos, convivem e trabalham mais em comunidades virtuais e ambientes simulados do que em comunidades reais e ambientes físicos. Eles pertencem ao universo dos servidores e utilizadores mais do que ao universo dos vendedores e compradores. Eles são pessoas e indivíduos que trabalham em regime de pluriatividade, em crowdsourcing e outsourcing, estão constantemente conectados e usam a sua criatividade para agregar valor compartilhado aos serviços imateriais que prestam no universo do ciberespaço. Neste sentido, quero crer que eles colocarão as três inteligências, racional, emocional e artificial, ao serviço do potencial colaborativo da inteligência coletiva que habita as redes empresariais, as redes de investigação e desenvolvimento, as redes de inovação social e cultural, as redes amigas do ambiente e os territórios-rede da 2ª ruralidade. Se assim for, será uma grande oportunidade e uma enorme bênção para todos os territórios.
Ora, o ambiente de trabalho que espera estas novas gerações vai ser muito estimulante e criativo. Nos nossos territórios já existe um triângulo criativo que importa promover. Esse triângulo é de geometria variável e tem no primeiro vértice o Património e a Paisagem, no segundo a Ciência e Tecnologia e no terceiro a Arte e a Cultura. O património e a paisagem traçam, de certo modo, os limites ético-normativos da nossa atuação em matéria de recursos fundamentais por via de uma política de ordenamento do território, mas são, ao mesmo tempo, uma fonte de muita criatividade, não apenas porque o património, a nossa memória histórica, mergulha profundamente no tempo longo da nossa existência, mas, também, porque os seus inúmeros sinais distintivos dilatam o nosso horizonte de esperança e a nossa liberdade criativa acerca do futuro próximo.
Essa liberdade criativa que retiramos do património e da paisagem é, igualmente, transposta para a ciência e a tecnologia que atualizam e certificam a nossa passagem pelo tempo presente e abrem o campo dos possíveis aos vários cenários em presença. Neste campo todos esperamos que os centros de investigação, os centros de ciência viva e os centros de interpretação, mas, também, a rede de artes e ofícios artesanais e as associações empresariais, sejam capazes de encontrar o networking mais apropriado à sua concreta atuação, tendo em vista, justamente, a criação de valor próprio e o acesso ao direito de
propriedade industrial e intelectual mas, igualmente, o valor simbólico e reputacional que pode ser transferido para as fileiras e os arranjos produtivos locais e regionais. A ciência e a tecnologia podem, por exemplo, trazer um endemismo local, uma semente perdida ou uma tecnologia ambiental para a ordem do dia, convertendo esses sinais distintivos em ícones da sociedade local e ajudando os arranjos produtivos locais a projetar mais facilmente as marcas e os terroirs regionais.
Quanto à arte e cultura basta lembrar a liberdade criativa dos roteiros da SPIRA, empresa especializada em projetos de revitalização patrimonial – rota do fresco (arte sacra), rota do montado (património natural), rota do mármore (património industrial), rota do pica-chouriço (contrabando, património cultural) – que reunindo 21 municípios alentejanos formam e integram a marca rota dos compadres. Outros exemplos podem ser incorporados em estratégias colaborativas de maior intensidade-rede e em operações bem orquestradas de marketing e comunicação simbólica, por exemplo, nos arranjos produtivos de parques naturais, geoparques e zonas termais, bem como, de certos destinos turísticos e lugares de culto e peregrinação.
Estas referências querem dizer que a curadoria e a marca de um território são fatores fundamentais para estruturar e acionar o sistema operativo de um território. Estamos, agora, em condições de alinhar os fatores que favorecem a política de marcas ou branding territorial.
Em primeiro lugar, o policy-framework e o policy-design do programa operacional regional no que diz respeito ao desenho das medidas de política, à sua operacionalização e intensidade-rede. A intensidade-rede depende da ação de um ator-rede dedicado cuja missão fundamental é, justamente, a eficácia, a eficiência, a equidade e a efetividade das medidas, os 4E do programa integrado de desenvolvimento.
Em segundo lugar, a estratégia promocional do ator-rede e a sua política de comunicação visam alcançar um networking apropriado à sua missão, por exemplo, a sua integração em redes europeias da Unesco, do Conselho da Europa ou da União Europeia e, a partir daí, oferecer um programa internacional de residências artísticas, culturais e científicas que sejam capazes de atrair jovens talentos de todas as áreas em estreita associação com os programas nacionais de ciência e investigação, artes e cultura. É no âmbito destas residências e de um programa próprio de economia e curadoria criativas que serão forjadas e testadas algumas das propostas de branding territorial.
Em terceiro lugar, é fundamental que o ator-rede desenvolva experiências inovadoras de cocriação, financiamento participativo ou crowdfunding, mas, também, de crowdsourcing e crowdlearning que sejam a expressão do envolvimento direto das populações e dos agentes económicos na criação e reconhecimento e da marca territorial.
Em quarto lugar, é necessário discutir a coordenação multiníveis que liga o programa operacional regional (POR) das CCDR ao programa de desenvolvimento rural (PDR) das DRA (direções regionais de agricultura) e aos programas do nível NUTS III/CIM (sub-regiões e comunidades intermunicipais) que, por sua vez, articulam com as estratégias de desenvolvimento dos Grupos de Ação Local (GAL) e os seus programas de desenvolvimento local de base comunitária (DLBC); há aqui muitos meios e atores envolvidos que precisam de fazer o upgrading do seu trabalho e realizações.
Finalmente, é fundamental que a inovação territorial e a especialização inteligente não sejam meramente instrumentalizadas pela informática das plataformas e a construção de espaços para incubadoras e residências de coworking; é necessária uma outra cultura de ordenamento com relevo para as redes de vilas e cidades, em formatos socioinstitucionais inovadores e criativos como é o caso da curadoria dos territórios-rede que aqui já referimos.
Notas Finais
Num país tão pequeno, tão diversificado e interligado por boas vias de comunicação, todos podemos beneficiar de tudo e esta reciprocidade na era das redes é uma vantagem de que ainda não nos apercebemos inteiramente. Ora, conseguir o benefício desse efeito sistémico faz parte da economia criativa, por via de interligações virtuosas, economias de rede e aglomeração, que juntem os fatores criativos do triângulo virtuoso – património e paisagem, ciência e tecnologia, arte e cultura – aos fatores produtivos das fileiras e cadeias de valor, em especial, aquelas que têm indicação geográfica, denominação de origem ou marca coletiva e, ainda, as produções com origem em áreas de paisagem protegida, geoparques, amenidades turísticas e zonas termais.
Ora, a transição digital vai revolucionar a dimensão espaço-tempo onde se inclui a mobilidade urbana, a arquitetura e a arte dos territórios, a associação entre a arte pública, as artes da paisagem e as artes digitais, com mais campo na cidade e mais cidade no campo. Se não ficarmos confinados digitalmente, teremos, finalmente, um horizonte mais
largo e promissor à nossa frente, uma janela de oportunidade para os arranjos multiprodutos, que a curadoria criativa e o branding do território nos irão proporcionar.
No final, se tudo correr bem, se as comunidades locais e regionais criarem os seus atores-rede e respetivas curadorias, poderemos ter uma sociedade colaborativa muito promissora e onde o capital social será tão ou mais decisivo que o capital financeiro. A título de exemplo, é impossível não associar o Alto Minho à amenidade turística de um rio transfronteiriço, à Bienal de Artes de Cerveira, ao património dos solares desta sub-região, à beleza dos seus jardins românticos e aos terroirs do vinho verde, com uma especial menção ao terroir do vinho alvarinho. De resto, a associação entre a arte pública, as artes da paisagem e as artes digitais é uma fonte de enorme inspiração para a economia criativa e os arranjos produtivos do território, como, de resto, se comprova bem com a consolidação e o sucesso da euro-região Galiza-Norte de Portugal.