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Tenho andado em entrevistas para a divulgação do novo disco e é comum que as questões resvalem para outros temas, havendo sempre uma ou outra conversa que resulta em frases descontextualizadas e na consequente onda de comentários ofensivos, mensagens indignadas e mal-entendidos. É a clássica situação da turba que não lê a entrevista e tira conclusões precipitadas pela citação truncada, passando de imediato à crítica furiosa, sobretudo quando os temas estão no espectro das chamadas causas fraturantes.
O que me espanta é que, de todos os temas falados, a frase que causou mais indignação foi uma das mais insuspeitas (pelo menos para mim). Recebi muito ódio gratuito, mensagens ofensivas e até motivei postagens de pessoas com responsabilidade que eu achava que tinham muito mais que fazer.
Foi no podcast “Posto Emissor” da Blitz, no meio de uma longa resposta a uma questão sobre o idadismo na indústria do entretenimento, que disse a frase que foi utilizada como parangona nos posts de promoção do episódio: “Os Rolling Stones são uma banda de homens de 80 e tal anos, se fossem velhotas toda a gente ia ridicularizar”.
Parece-me óbvio que, ao contrário do que insinuam os comentários maldosos, não estou nem a criticar os Stones ou a menosprezar o seu sucesso e longevidade, muito menos a dizer que as mulheres artistas octogenárias são ridículas, nem tão- pouco a dizer que, em outros estilos de música ou artes, não há mulheres idosas que são bem aceites. Patti Smith é muito acarinhada num contexto mais alternativo. Celeste Rodrigues, Tina Turner ou Ella Fitzgerald fizeram sucesso até tarde. E, noutras artes, há mais mulheres com carreiras longevas e celebradas.
Acontece que eu estava a falar do arquétipo de rock star, de Jagger ou Iggy Pop, daquela rebeldia performativa, aquela atitude afrontosa e até sexual em palco, que seria certamente muito criticada em mulheres da mesma idade. Falei disso, mencionando declarações de Madonna, que sempre cultivou o mesmo estilo e a mesma postura e que, mesmo tendo menos duas décadas, sofre de críticas mordazes pelo seu envelhecimento. O que é elogiado em Jagger é ridicularizado em Madonna, segundo o duplo critério cultural vigente, que torna o envelhecimento das mulheres muito mais penalizador na esmagadora maioria das situações.
Mas haverá sempre alguém que quer falar da exceção para negar as evidências. Haverá sempre um homem que não é sensível ao que é óbvio para a maioria das mulheres, preferindo dizer que é mito. Haverá sempre um macho que reage violentamente quando uma desigualdade de género é assinalada. Haverá sempre quem ignore o contexto para criticar a frase a todo o custo, porque não gosta da “mensageira”. E haverá muito quem deixe que a sua má vontade ou odiozinhos de estimação prejudiquem a capacidade de interpretação de texto. (Vou passar a chamá-los “os anticapicua”).