De Atenas, chegam-nos mensagens dissonantes. Enquanto o Parlamento aprovou resignado novas medidas de austeridade exigidas para a concessão de novo empréstimo que possa evitar a iminente bancarrota da República, "a rua" indignava-se e protestava com exuberância, por entre episódios de confrontação violenta. Em Atenas, é para a Praça da Constituição (Sintagma) que convergem as manifestações populares. Para sudeste, noutra margem do Mediterrâneo, fica a Praça da Liberdade (Tahrir) que permanece o local simbólico do florescimento da Primavera Árabe, na cidade do Cairo. De sudeste sopra o Euro, como escreveu Vitrúvio no tratado "De Architectura", obra dedicada ao imperador César Augusto. Invoca a autoridade de um estudioso, Andrónico, da Síria, que teria construído uma torre de mármore em Atenas encimada por um tritão de bronze que, conforme a brisa, girava e parava sempre na direcção donde soprava o vento: "Por essa razão, o Euro, do Levante de Inverno, foi colocado entre o solano (Leste) e o austro (Sul)".
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Marco Vitrúvio cuidava dos ventos e da sua importância no alinhamento das ruas e das praças para proteger a saúde dos moradores. E é da sobrevivência das cidades - da civilização e da democracia que por elas foram inventadas - que precisamos hoje de cuidar. A Praça "Sintagma" celebra em Atenas a promessa de uma "Constituição", exigência a que se viu obrigado Otão I - príncipe da Baviera que se tornou primeiro rei dos gregos, imposto ao recém-criado estado independente pelas grandes potências da época, Inglaterra, França e Rússia - quando, em 1843, enfrentou uma insurreição popular que denunciava a opressão e os gastos sumptuários da família real e dos cortesãos. De novo se confrontam os gregos com o resultado das loucuras, agora, consentidas aos governantes que escolheram, e com a hipocrisia em que se transformou a solidariedade europeia.
Do Levante, vieram o comércio, a cultura, as cidades que se multiplicaram nos milénios subsequentes, e até o nome. Europa era a filha de um rei da mitológica Fenícia por quem se enamorou Zeus, o Deus dos deuses, que a raptou e levou para Creta. A Europa nunca teria existido sem o Mediterrâneo nem subsistirá sem ele. O Ocidente, da outra margem do Atlântico, observa as nossas debilidades com muita clareza: a impotência diplomática no conflito israelo-palestiniano, as fragilidades da NATO expostas na Líbia, a indecisão na defesa do euro, a rendição aos interesses dos mercados financeiros, a ascensão explosiva dos egoísmos nacionalistas. Até há poucos dias, a União Europeia foi presidida pela Hungria, onde o partido do actual primeiro-ministro, Victor Orban, conquistou 2/3 do Parlamento, o que lhe permitiu rever a Constituição que passou a proclamar o cristianismo como base da Nação e aprovar uma lei da cidadania com base no "sangue" que inquieta os seus vizinhos da Eslováquia ressuscitando antigas querelas territoriais. Como refere Augusto M. Seabra, no suplemento "ípsilon" do "Público" da passada sexta-feira, "enquanto milícias de extrema-direita (...) atacam comunidades ciganas (...) a "caça às bruxas" e às liberdades culturais instalam-se em nome dos valores "genuinamente húngaros".
Em Abril de 1999, chegavam à Apúlia, na foz do Cávado, os primeiros refugiados do Kosovo, famílias inteiras, velhos, jovens, casais e muitas crianças, de olhar sombrio e expressão impenetrável, tristes, desconfiados ou incrédulos. Foram acolhidos com a maior solicitude pelo Governo Civil de Braga, a Segurança Social, o Município de Esposende, a Cruz Vermelha, as misericórdias, as associações de Bombeiros que prontamente responderam ao apelo da União Europeia de solidariedade com as vítimas dos horrores da guerra na antiga Jugoslávia. Foi tamanha a generosidade que teria sido possível receber o dobro de "visitantes", em condições impecáveis e com informação providenciada na sua própria língua. Partiram em Julho e deixaram saudades. Saudades também de uma Europa solidária que já não se comove com a desgraça alheia.