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Portugal é uma nação com uma identidade sociocultural, uma história e um património únicos e isso é, claramente, percecionado como um ativo de valor que está a ser capaz de atrair um fluxo consistente de turistas e investidores estrangeiros. Somos deveras diferentes do resto dos povos e isso é positivo. Porém, também importa reconhecer que nem tudo o que nos torna diferentes é particularmente bom. E, no plano daquela que é a base da estrutura do nosso regime democrático, designadamente ao nível dos partidos políticos e da definição estratégica de um planeamento a médio e longo prazo, sabemos que nem tudo corre bem. Hoje somos confrontados com a instrumentalização política do investimento público
No nosso país, e ao contrário do que acontece, por exemplo, na generalidade da Europa, não tem sido possível abordar, no debate político-partidário, temas como os pactos de regime ou a estabilidade no planeamento estratégico. E, provavelmente, algo que não ocorre com frequência em mais nenhum país do Mundo, é a capacidade de utilizar matérias consensualmente reconhecidas por todos como estratégicas, como é o caso da reabilitação urbana, do investimento na ferrovia, na aposta na sustentabilidade, no combate político partidário.
Ou seja, somos um lugar único no Mundo, em que, mesmo quando estamos todos de acordo em determinado assunto, conseguimos utilizar esse mesmo tema como arma de arremesso político. Por exemplo, em 2014, sublinhei como facto de extrema importância a aprovação, por parte do anterior Governo, do Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas para o horizonte 2014-2020, abarcando os setores ferroviário, marítimo-portuário, rodoviário e aeroportuário-logístico, bem como os transportes públicos de passageiros. Relembre-se que os objetivos estratégicos que presidem a este plano são a competitividade e o desenvolvimento sustentável da economia, a coesão social e territorial, a mobilidade e acessibilidade de pessoas e bens, e a comportabilidade financeira para os contribuintes, objetivos que se sobrepõem, naturalmente, aos ciclos políticos. Foi por isso natural que, em 2016, o atual Governo tenha assumido o integral cumprimento deste programa, que havia sido objeto de um largo consenso. Porém, a realidade mostra-nos que persiste um grande desfasamento entre a calendarização e a execução do investimento público, que se mantém em níveis historicamente baixos.
Neste momento iniciou-se a discussão, que se pretende que seja, de novo, o mais alargada possível, em torno do novo ciclo de investimentos a iniciar em 2020, facto que é, uma vez mais, positivo. Com efeito, a consensualização do quadro estratégico para o próximo ciclo de investimentos pós-2020 vem dar resposta a uma das questões estruturais que sempre defendemos. Este é, portanto, um desafio que vemos com muito bons olhos e para o qual estamos empenhados em dar o nosso contributo. No entanto, o que não pode acontecer é condicionar politicamente esta discussão.
Se o que se quer é apurar responsabilidades políticas, então não haja dúvidas. Todos são responsáveis, pelo que este "ciclo vicioso" tem de ser quebrado. Em cada momento, é dever de cada Governo pôr em marcha os projetos estruturantes já assumidos, mas a sua não concretização não pode ser utilizada para colocar em causa o planeamento futuro. O historial de sucessivos incumprimentos por parte de Governos anteriores não pode ser instrumentalizado, sob pena de Portugal estar condenado a viver com o investimento público estruturante eternamente adiado.
Presidente da AICCOPN