Nada está provado, mas Sócrates encontra-se na situação de ter de ser ele - e não quem o acusa - a ter de provar a sua inocência, sob pena de este lume lento não acabar nunca mais.
Corpo do artigo
A convicção de que o primeiro-ministro é culpado com que alguns partidos partem para o inquérito parlamentar sobre a compra da TVI pela PT faz um contraste absoluto com a afirmação peremptória de José Sócrates de que a comissão de inquérito só serve para o atacar e não quer apurar coisa alguma. O que estas posições extremadas fazem adivinhar é o pior dos cenários: um confronto levado ao limite, ruído em excesso, uma conclusão ditada pela maioria que um dia, quem sabe, se o PS voltar a ter uma maioria absoluta, certamente corrigirá a seu favor. Infelizmente, um ambiente idêntico rodeou sempre o inquérito sobre Camarate e a tese de acidente venceu sempre que PSD e CDS não tiveram maioria e a de atentado quando os dois partidos da direita garantiram mais votos.
Numa coisa Sócrates tem razão: a comissão funcionará como um lume brando onde arderá lentamente a sua reputação. Quer ele lá vá quer não vá. Afinal de contas, Sócrates também se deixou arrastar para esta situação. Às meias respostas que foi dando, bastaria que, numa das vezes em que foi ao Parlamento, tivesse dado "um murro na mesa" e deixasse tudo esclarecido. Termos equívocos e atitudes defensivas, a que se juntou a habilidade de alguns opositores e a publicação ilegítima de escutas que, não sendo comprometedoras, ajudavam a manter as dúvidas, trouxeram-no até aqui. Está num beco. A maioria dos portugueses não saberá bem o que se passa e por falta de alternativa até continua a dar a Sócrates e ao PS vantagem eleitoral. Mas não chega. Sócrates não se consegue libertar da suspeita permanente. O Freeport persegue-o há cinco anos, depois houve questões com o seu curso, com a sua profissão, com a Face Oculta, até se chegar aqui, à possibilidade de ter mentido. Nada está provado, mas os ataques continuam e Sócrates encontra-se na situação de ter de ser ele - e não quem o acusa - a ter de provar a sua inocência, sob pena de este lume lento não acabar nunca mais.
Na entrevista ao JN, Sócrates não poupa o PSD e genericamente a oposição que se silencia perante as suspeições que lhe são lançadas. Fará bem em não comparecer perante a comissão parlamentar? É difícil a cada um de nós pôr-se na pele do primeiro-ministro, vermo-nos sujeitos a ataques consecutivos. Mas, possivelmente José Sócrates deveria aproveitar o facto de a comissão de inquérito ser presidida por Mota Amaral - o que lhe garante seriedade - para de uma vez clarificar a situação, mesmo que ele considere que não há lugar a dúvidas e que tudo está esclarecido. Afinal de contas, Sócrates dificilmente poderá perder mais do que já perdeu. Comparecendo perante a comissão de inquérito, Sócrates não só enfrenta olhos nos olhos os que ele acha que alimentam as suspeições, como evita que se façam interpretações sobre a sua ausência.