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A divulgação das conclusões do grupo de trabalho para a reforma do IRC gerou algum otimismo, sobretudo porque perspetiva o regresso de Portugal ao mapa do investimento direto estrangeiro (IDE). Embora lamentando o atraso de uma década nesta importante reforma, não deixo de partilhar o entusiasmo, sobretudo porque constato que, finalmente, algo de positivo pode acontecer na economia real.
A tipologia de IDE que, no passado, muito contribuiu para o crescimento da economia portuguesa já não é uma opção. A entrada dos emergentes na economia global delapidou as nossas condições de competitividade, pelo que é hoje necessária uma nova combinação de fatores que nos posicionem na atração de investimento mais qualificado. A reforma do IRC é um importantíssimo passo nesse sentido, mas, antes de embandeirar em arco, importa não esquecer que há ainda dois requisitos para o sucesso: a reforma da justiça e a aposta na ciência e no ensino superior.
A check-list das multinacionais no contexto de processos de IDE centra-se basicamente em três dimensões: fiscalidade e justiça; recursos humanos e tecnológicos; e infraestruturas. A estas acrescem outros critérios com um papel mais periférico na decisão, como as amenidades, o custo de vida ou a segurança.
Começando pelo fim, Portugal é hoje um país atraente nos tais aspetos de contorno da decisão. O clima, a hospitalidade, a segurança, a saúde, etc., comparam-se positivamente face a destinos concorrentes, pelo que não é daí que vem o problema.
A dimensão infraestrutural é hoje reconhecidamente competitiva. O país fez a maioria dos investimentos necessários, dispondo de estradas, aeroportos, portos, redes de comunicações e alojamento que não ficam atrás dos melhores. O setor ferroviário foi aquele que mais se atrasou, tendo-se perdido numa ambição desajustada, não querendo perceber que o grosso da economia nacional acontece numa faixa de 400 km entre Braga e Lisboa, justamente aquela que requer um novo canal de elevadas prestações, a complementar pelas linhas de mercadorias que atravessam o país a partir dos portos de Leixões e Sines. Portugal é já muito atraente nas infraestruturas, pouco faltando para fechar o ciclo dos investimentos.
A dimensão dos recursos humanos e tecnológicos é aquela que suscita a aposta na ciência e no ensino superior. Não sendo já um país low cost, nem destino de IDE à procura de mão-de-obra barata, Portugal necessita de um ensino superior competitivo e dinâmico, de forma a disponibilizar no mercado uma força de trabalho muito qualificada e de produzir o conhecimento que alimenta a inovação tecnológica. Como afirmou Cruz Serra, recém-empossado reitor da nova Universidade de Lisboa, "é imprescindível que as universidades não sejam tratadas como sujeitos incrementadores de despesa, mas sim como angariadores de receita". Mas, para isso, exige-se um empenho diferente da governação, a começar pela necessidade imperiosa de regressar a um ministério autónomo.
Por fim, a fiscalidade e a justiça. Os investidores reclamam um sistema fiscal legível, justo, competitivo e estável. Nem mais, nem menos. O anteprojeto de reforma do IRC da autoria da equipa liderada por Lobo Xavier endereça objetivamente três destes requisitos, já que a estabilidade dependerá do bom senso dos governantes nos próximos anos. A eliminação das derramas municipal e estadual é um ato de simplificação em benefício da legibilidade. A eliminação da dupla tributação de lucros oriundos da participação noutras empresas torna o imposto mais justo. O objetivo da taxa de 19% torna o imposto competitivo. Parece, assim, que há razões para ter esperança.
Mas falta ainda responder a uma das inquietações dos investidores: a justiça. Coloco fiscalidade e justiça lado a lado, pela simples razão de que a litigância fiscal assume em Portugal uma escala insustentável e única na Europa: 39 mil processos ativos em média, decididos por umas poucas dezenas de juízes, com a administração fiscal a recorrer de todas as decisões para si desfavoráveis e gerando um valor agregado das pendências de quase 7 mil milhões de euros. Como se explica isto a um investidor estrangeiro? Se, um dia, se conseguisse reformar a justiça, para o que seria necessário um ministro com o perfil de Paulo Macedo, então acredito que Portugal poderia ser um dos mais competitivos espaços da Europa na atração de IDE.