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O Jubileu de platina da rainha Isabel II carrega a memória de um reinado que testemunhou momentos fulcrais da História dos séculos XX e XXI. Por estes dias, alguns média irão entreter-se com os desencontros de William e de Harry e com os vestidos de Kate e de Meghan. Mas esta mulher, coroada quando tinha apenas 25 anos, impõe outras atenções. Porque esteve à frente do seu tempo, embora sem fazer disso alarido.
Uma das marcas maiores do reinado de Isabel II é a longevidade. A monarca está perto do recorde do rei Bhumibol, o Grande, da Tailândia, e apenas dois anos atrás do monarca mais antigo de todos os tempos, o próprio Rei Sol, Luís XIV da França. Conheceu vários políticos (só presidentes americanos conta já 14), embora se desconheça se construiu amizade com alguns deles. Apenas se sabe que não gostava muito de Margaret Thatcher. Aliás, nunca cultivou muita proximidade com o partido conservador. Os seus biógrafos dizem que apreciou mais os líderes trabalhistas.
Neste balanço, há um consenso sobre o perfil tradicional e discreto da rainha. Ainda que a monarquia britânica seja descontroladamente extravagante, Isabel II é parca na palavra pública e conservadora na sua apresentação. Reinou sem dizer uma palavra que criasse grande controvérsia política, mas as suas intervenções foram merecedoras de grande destaque. No seu 40.º aniversário no trono britânico, proferiu um dos seus discursos mais disruptivos para a monarquia britânica, falando num "annus horribilis". Os filhos separaram-se, o Castelo de Windsor foi danificado por um incêndio e a própria rainha abriu portas para que a coroa pagasse impostos. Num tempo que acentuou o individualismo, a rainha privilegiou o sentido do dever, preservando instituições e hierarquias. E isso garantiu-lhe índices de acentuada popularidade dos seus súbditos, mesmo em momentos maus para si, como o da morte da princesa Diana que Isabel II não soube gerir publicamente.
Agora, mais do que nunca, pensa-se no futuro da coroa britânica. O seu sucessor, o filho Carlos, não suscita qualquer entusiasmo. Já fez saber que a sua ideia de monarquia é mais modesta e mais reduzida, mas isso, em vez de provocar aplausos, tem criado reservas. Tal opção obrigaria a coroa a retirar-se de inúmeros compromissos, o que implicaria uma inequívoca perda de autoridade. Talvez William e Kate correspondam mais à modernidade desejada, salpicada pelo glamour exigido a reis e a rainhas, mas essa sucessão não será para agora. Por enquanto, o tempo é (ainda) de Isabel II. Depois dela, talvez não chegue o dilúvio, mas virá um debate que problematizará se a monarquia ainda faz sentido.
* Professora associada com agregação da U. Minho