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O recado foi dado claramente ao secretário de Estado norte-americano pelo presidente do Governo autónomo curdo iraquiano: "Estamos diante de uma nova realidade e de um novo Iraque". As palavras de Massoud Barzani não terão descansado John Kerry, que se deslocou ao país na tentativa - mais uma - de promover a complexa reconciliação nacional. O Iraque está perigosamente a desintegrar-se e o que começou por ser uma ofensiva militar de muçulmanos sunitas do Estado Islâmico do Iraque e Levante contra a maioria xiita que governa o país a partir de Bagdade transformou-se rapidamente num intrincado labirinto também político e económico.
A violência e eficácia das progressivas conquistas de território iraquiano por parte dos combatentes do "Levante" começou por apanhar mais ou menos distraída parte da comunidade internacional, mas não os curdos e menos ainda o seu organizado exército. Na região autónoma, a intenção da liderança sanguinária do Estado Islâmico do Iraque e Levante de criar uma espécie de emirado juntando a Síria e o Iraque está a ser acompanhada com muita atenção e bastante oportunismo.
Sem disparar um único tiro, as forças curdas ocuparam sem hesitações Kirkuk e os inúmeros campos petrolíferos existentes na envolvente da cidade oficialmente situada fora da região autónoma do Curdistão. Não foi uma ação militar inocente decorrente da falta de capacidade do exército de Bagdade em travar a ofensiva do "Levante". Com a tomada de Kirkuk, a capacidade de produção petrolífera dos curdos iraquianos aumentou exponencialmente.
Senhores de um território rodeado pelo Iraque e pelo Irão, aos curdos não se coloca apenas a dificuldade de fazer sair do enclave os barris de petróleo. É preciso que alguém os compre. É nesta parte deste complexo puzzle que entra um ator em nada inocente: Israel. O Estado judaico nunca escondeu simpatia pelos curdos e, como os amigos são para as ocasiões, este é o tempo de ajudar os amigos.
Com a anuência da Turquia, os curdos conseguiram colocar no porto de Jihan um milhão de barris de petróleo rapidamente bombeado para um petroleiro alugado. Durante semanas o navio navegou pelo Mediterrâneo à espera de comprador até que Telavive se chegou à frente.
Ao vender diretamente a Israel, os curdos iraquianos não reafirmam apenas claramente a sua posição de independência regional. De uma assentada, contrariam igualmente uma das principais exigências das autoridades energéticas iraquianas que, até aqui, impuseram que as exportações curdas fossem feitas através de Bagdade. Os Estados Unidos, por sua vez, sempre apoiaram esta posição do Governo iraquiano contra a autonomia comercial dos curdos sob o mesmo argumento de que o seu rompimento prejudicaria a unidade nacional. Sendo o comprador Israel, Washington fica sem margem para condicionar o negócio. E os curdos continuam a marcar pontos num conflito que, segundo a ONU, já causou mais de mil mortes só nos últimos tempos.