A Casa Branca muda de inquilino, esta semana, mas o condomínio global que partilhamos já estremece. Quem diria, há um ano, que depois de Obama viria Trump? E que a vitória deste poderá ter sido influenciada por suposta intervenção da Rússia de Putin?
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Vejamos: nisto da política, sempre houve interferências. São parte da política externa de qualquer país, sobretudo na relação dos grandes com os pequenos. É da vida. A americana ironia contemporânea é que seja a superpotência quem agora as sofra e as lamente. E que seja a CIA, paradigma da organização dedicada a interferir, a confirmar as interferências. E, pior ainda, que o efeito destas na suprema eleição tenha mesmo terminado em êxito.
Descontadas as teorias da conspiração, bastariam as simples suspeitas para despertar a maior preocupação entre os serviços de inteligência europeus, quando se disputam este ano, em França e na Alemanha, as duas principais eleições que condicionam o futuro da Europa. Se a primeira superpotência, com serviços secretos tão especializados e dotados de meios, foi incapaz de neutralizar uma interferência política e eleitoral russa, que podemos esperar da desconcertada União Europeia que enfrenta o Brexit, a crise dos refugiados e a emergência de populismos e nacionalismos? A suposta contribuição russa para a vitória de Trump revela que o gigante americano, apesar da sua vantagem económica, tecnológica e militar, é profundamente vulnerável. E também que a globalização, sobretudo a tecnológica, proporciona novas armas assimétricas aos governantes autoritários para interferir na vida política e eleitoral das sociedades abertas. E nem é preciso que Trump seja um agente russo para concluir que a sua vitória se lê como um êxito do modelo autoritário que Putin encarna.
Quando se despede Obama, neste tempo de WikiLeaks e de livre manipulação das redes sociais, ou dos meios de comunicação global ao serviço de interesses não escrutinados, a vantagem está do lado de quem sabe aproveitar as liberdades alheias sem se submeter ao juízo da opinião pública, nem ao controlo de tribunais ou dos parlamentos democráticos. No discurso de despedida, o primeiro presidente negro da história americana assumiu a fraqueza e pediu desculpa. Fica-lhe bem. Mas, a não ser que regresse, ele ou Michelle, ainda nos fica a dever a esperança que prometeu há oito anos: Yes, we can! Quando pensas que vai acontecer o inevitável, sucede o imprevisto. Eis a sombria (ou hei de chamar-lhe exaltante?) incerteza dos dias que vivemos.
* DIRETOR