É a guerra! Bem sei que é só à porta do vizinho, mas estamos em guerra. Diz o Papa, diz o presidente francês, e dizem todos os líderes europeus. Porque os ataques de Paris, mais que todos os outros, de Beirute a Bamako, representam um ataque brutal ao coração dos valores que partilhamos.
Corpo do artigo
Se não continuássemos em campanha eleitoral e tivéssemos dirigentes à altura de nos falarem das coisas sérias, já nos tinham vindo recordar que assinámos o Tratado de Funcionamento da União Europeia cuja cláusula de solidariedade estipula que todos os subscritores "atuarão conjuntamente, se um Estado-membro é alvo de um ataque terrorista". E que, para tal, "mobilizarão todos os instrumentos", incluindo os "meios militares" adequados. Da mesma forma que somos, também, membros da Aliança Atlântica. Nesta, a cláusula de defesa comum diz que "as partes acordam em que um ataque armado contra uma ou várias (...) deve ser considerado como um ataque dirigido a todas elas". E que, portanto, todos e cada um dos países da Aliança devem responder em comandita com as "medidas necessárias".
É a guerra, pois. E deveríamos estar a discutir se (e como) queremos fazê-la, ou evitá-la. Só que a guerra já não é o que era. Durante séculos e até há pouco, a violência e o domínio das armas eram monopólio dos estados. O engenho que serviu na guerra de Troia para ultrapassar os muros da cidade converteu-se, ao longo dos séculos, por obra e graça das migrações, no elemento chave que caracteriza a nova guerra mundial. O bando atacante já não necessita do cavalo de Troia para entrar no território inimigo, porque muitos dos seus soldados vivem, ou nasceram mesmo, dentro desse território. O inimigo, hoje, pode ser nosso vizinho e estar disposto a fazer-se explodir à nossa porta, sabe-se lá em nome de quê.
Perante o estado de emergência em França, que vai prolongar-se, as fronteiras voltam a erguer-se, a livre circulação é limitada, o Acordo de Schengen está ameaçado. Além dos mortos que já choramos, a primeira grande vítima desta guerra é a nossa liberdade.
Subitamente, a guerra mudou-nos a agenda, e esquecemos mesmo a imagem do menino sírio cujo corpo deu à praia. Quais refugiados? O problema já não é como ajudá-los, mas como evitar que cheguem mais. Já não se pensa como integrá-los, mas como devolvê-los. E já não se trata da sua segurança, mas da nossa. Nem que isso nos custe cavar mais a vala que nos separa, e atirar mais dinheiro para cima dela, para esconder o medo e a vergonha. Isto está perigoso!