<p>Há mais de 300 anos - leu bem: mais de 300 anos - que não acontecia uma coisa destas, o presidente do Parlamento empurrado para a demissão. Foi o desfecho previsível do caso das despesas particulares pagas pelo erário público de pelo menos 18 deputados de diversos partidos, agora chamados à pedra. O homem a quem estava confiado o controlo dos pagamentos fechou os olhos a gastos em jardinagem, decoração, limpeza de piscinas e, até, na aquisição de filmes pornográficos. E também aproveitou para apresentar umas quantas facturas de táxi da sua mulher. </p>
Corpo do artigo
Não, este episódio não se passou em Portugal, mas na velha e respeitável democracia inglesa. Naturalmente, mancha a reputação da Câmara dos Comuns. E a reputação de um país onde, recentemente, se descobriu que membros do Partido Trabalhista, no poder, usavam mails e sites na Internet para imputar falsos comportamentos impróprios a adversários, denegrindo-lhes a imagem.
Um advogado foi condenado a quatro anos e meio de prisão por ter prestado em tribunal falsos testemunhos, em benefício do primeiro-ministro. Que daí lava as mãos graças a um truque manhoso. Quando o processo estava prestes a atingir o ponto de não retorno, tratou de fazer aprovar no Parlamento um regime de imunidade que suspendeu a acusação de suborno, no valor de 430 mil euros. Quem foi corrompido, paga as favas; quem corrompeu fica a rir-se - e a governar.
Não, este episódio também não se passou em Portugal. Passou-se em Itália e tem como protagonistas um advogado inglês e o chefe do Governo transalpino, Sílvio Berlusconi, o empresário que, como alguém já escreveu, lançou uma OPA sobre o Estado, do qual dispõe em função dos seus interesses. Com o aplauso (ou pelo menos o silêncio cúmplice) da maioria dos eleitores.
Convoco estas duas histórias, ambas alheias à realidade nacional, porque me revolta o recorrente desabafo que por aí se ouve, quando mais um escândalo no universo político chega ao conhecimento público: "Isto só em Portugal!". Nada mais desresponsabilizador, porque sinónimo de pés e mãos atadas. Se "só em Portugal" acontece, então temos o destino traçado. Uma perspectiva que só pode conduzir à inacção, ao encolher de ombros.
Portugal somos nós - os políticos também. Exigir exemplaridade a quem nos representa será excessivo, porque são humanos, têm virtudes e defeitos. Temos é de reivindicar um sistema que não seja complacente com a infracção, que funcione, como em Inglaterra, sem olhar a quem atinge. É responsabilidade colectiva combater as águas mornas, onde melhor navega a impunidade. Não basta vociferar para o microfone que nos estendem.