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Gostava bastante da canja que a minha avó fazia. Em casa dela havia sempre galinhas na capoeira, que depois matava para fazer o almoço de domingo. O sangue era para fazer cabidela, que eu detestava. Já não sei bem se é a memória a garantir-me que sim ou eu a dizer que era assim à memória, mas tenho ideia de que canja e arroz de cabidela era um clássico na cozinha daquela casa velha, que eu achava ser muito maior do que era realmente. Era muito menino e nessa altura não julgava prudente assumir que gostava de sopa, pelo que era preciso fazer-me difícil, por muito que ansiasse por ver a carne e as letras de massa a boiarem naquela água amarelada e saborosa. Ainda assim, era impossível comer aquilo tudo e só a minha avó é que acreditava que aquela pratada toda era "só um fundinho". Não imaginava eu que, tantos anos depois, já contribuinte, viria a ouvir o mesmo de tantos e diferentes governantes. Depois de me esfolarem, pedem-me para não me queixar, que ainda há mais um fundinho para se rapar. Eles dizem que isto é canja, mas eu já não sou um menino e sei que é fazer sangue para a imensa cabidela em que estamos feitos. Há quem goste, especialmente quem nos tem comido por lorpas.
JORNALISTA