Li algures que, após a queda do muro de Berlim, Gorbatchov terá, um dia, dito a Ronald Reagan que lhe fizera a pior maldade: tirara-lhe o inimigo. Não havia mais desculpas. Em certa medida, a UGT fez isso mesmo àqueles que passavam a vida a invocar a legislação laboral como justificação para a baixa produtividade e capacidade de competir.
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Quer isso dizer que o acordo alcançado não serve para mais nada? Nada disso. Para além do efeito de imagem externa, há impactos nos custos e na margem de manobra das empresas, em especial através da extensão e flexibilização do chamado banco de horas, importante quando há grandes flutuações e sazonalidade na actividade.
Como em quase tudo na vida, este pacto será o que as partes quiserem que seja. Pensar que chega para haver uma acalmia social é ilusório. E não estou a pensar, apenas, no facto de a CGTP ter ficado de fora. Fica sempre. Estou a pensar que, também do lado do patronato, há quem ainda perfilhe a lógica da luta de classes e veja as coisas a preto e branco. A simplificação do despedimento individual, há muito uma reivindicação dos patrões, é feita em termos muito ambíguos. Permite arbitrariedades. Se encharcar os tribunais de trabalho e estes não tiverem capacidade de resposta, podem-se originar situações de consequências difíceis de prever.
Também a redução da duração do subsídio de desemprego é, na conjuntura actual, um equívoco. Hoje, não há empregos. Todos nós conhecemos, muitas vezes na nossa própria família, quem procura, desesperada e infrutiferamente, trabalho há meses e meses. Talvez esta regra venha a servir no futuro, quando a economia voltar a crescer. Talvez sirva, pontualmente, para uma certa indústria ou região evitando a acomodação. No entanto, nos tempos mais próximos, a pressão sobre a função social e solidária do Estado continuará a prevalecer. Se falhar a resposta, a tensão social aumentará.
Ponderados os prós e contras, o contexto que emerge da Concertação Social é potencialmente positivo e os "juniores" do governo (Santos Pereira, Mota Soares e Assunção Cristas) merecem reconhecimento. No entanto, entre o potencial e o concreto vai uma grande distância. É natural que, numa primeira fase, prevaleça uma lógica defensiva: aproveitar os termos do acordo para baixar custos e salvaguardar capacidade competitiva e postos de trabalho. Talvez se devesse ter incentivado a partilha de resultados e, em particular, o seu reinvestimento. Há sempre o risco de a baixa de custo se tornar viciante e gerar uma espiral negativa em que o termo de comparação evolui dos países de Leste, para a China, depois o Vietnam, acabando, quiçá, num incógnito país africano. Sem futuro.
Não nos iludamos. A reforma do mercado do trabalho é apenas uma pequena parte do que é necessário fazer. Os seus resultados não são óbvios. Há reformas muito mais importantes, como a da Justiça, que continuam a marcar passo. Mas o contexto, só por si, nunca fará a diferença. A nossa maior debilidade estrutural está na gestão, quer na "res publica" quer na privada. Na primeira, o povo votou pela mudança. Vai-se vendo. A outra, mais lenta e, essa sim, estrutural, espera-se que aconteça no sector privado. Não se alteram hábitos e costumes de um dia para o outro. Não se aprendem competências por decreto. Não se inventam novas empresas ou actividades, nem sequer empresários. Não acontecem espontaneamente. Requerem políticas, opções. Não se sonhe, porém, apenas com o futuro. Não se faça tábua rasa da realidade e da experiência. Mexer no que funciona, como se diz querer fazer com Leixões, é má política - ideológica ou presunçosa, ou ambas. Como é perda de tempo andar a desenhar políticas, protelando uma que é óbvia: pagar o que se deve. Quando há empresas em risco de falência por dívidas do Estado e programas consensuais, como a reabilitação urbana, parados pela mesma razão, está-se à espera de quê? Pagando, reanima-se a economia e recupera-se a ideia de que o Estado pode ser uma pessoa de bem. Tão simples quanto isso.