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Sem a violência nem o fundamento do manifesto - carta de Zola mas com a nítida sensação de que todos os dias há culpados! O pior é que esta espécie de culpa, de responsabilidade, nunca a conseguimos atribuir nominalmente como fez Zola. Ao tempo, foi-lhe possível enumerar um a um os responsáveis pela condenação do inocente capitão Dreyfus e assim iniciar o processo de solução (ainda que imperfeita) do caso.
Nós, os portugueses, todos os dias nos deparamos com perplexidades e espécie de crimes sobre o interesse público mas sem culpados nítidos ou responsabilidades identificadas. Mal nos vem a ideia de perceber o que se passou e já nos vemos a lutar contra moinhos de vento.
Que dizer do meteórico desaparecimento de um centro de decisão tão importante como a Portugal Telecom? A privatização foi feita sem qualquer precaução ao nível da proteção dos interesses estratégicos nacionais e, aparentemente, por empenho de um grupo financeiro e vantagem de dois senhores lá se negociou a fusão com a Oi. Até aqui ainda se esgrimia a bandeira da CPLP e da comunidade de interesses dos falantes lusos. Mas eis que tudo corre pelo pior, o grupo vai à falência e os senhores são defenestrados. A PT, até há pouco tempo bandeira tecnológica nacional, passa a parente pobre de um grupo brasileiro que a leiloa ao melhor preço. Acusar quem? É que no meio disto tudo nem vigaristas profissionais parece que temos.
Arrepia pensar que a propósito do défice e da dívida ou do tratado orçamental, ou da sra. Merkel ou de outra coisa qualquer, podemos vir a vender a TAP, as Águas de Portugal, a Caixa Geral de Depósitos e o pouco mais que nos resta, de maneira a que uma mão pequena de interesses os repasse com lucro próprio, para em seguida se diluírem nas megacorporações que assumem a gestão dos activos estratégicos a nível global.
Talvez se baixarmos a escala e nos preocuparmos sobretudo com o que se passa no nosso território e respetiva vizinhança, consigamos perceber melhor as motivações e conhecer mais diretamente os responsáveis pelas decisões tomadas.
Não é fácil!
Acabo de ler que na última reunião da Câmara do Porto a votação sobre o projeto do Centro de Congressos a construir no Palácio de Cristal (por reformulação do pavilhão Rosa Mota), foi suspensa para que o sr. presidente possa tentar um consenso com a oposição sobre o projeto.
Seja qual for o resultado das negociações julgo que não estará em causa voltar atrás. E, no entanto, o projeto é lesivo de um interesse público que tem como pilar o planeamento a uma escala metropolitana sobretudo dos grandes equipamentos.
Ora o Porto faz parte, e não uma parte qualquer, de uma entidade territorial maior a que se dá o nome de Área Metropolitana. Deve por isso, em meu entender, verificar se à escala metropolitana existem ou não equipamentos que possam servir a função agora anunciada.
Se esses equipamentos existirem, em condições de beneficiar e atingir os objetivos a que a cidade do Porto se propõe, então deve ser equacionada a sua utilização de forma prioritária. Sobretudo se os equipamentos forem públicos!
Antes desta triagem metropolitana e desta preferência pelo património público, é pura e simplesmente inconcebível que se organize a cedência a privados para a mesma função. Concessionar o pavilhão Rosa Mota para nele se instalar um centro de congressos é, mais uma vez, passar o que é de nós todos para alguns com proveito certo e futuro muito incerto.
Dá a ideia que nos deslumbramos com as diligências da capital que alienaram da gestão pública o Pavilhão Atlântico e, aparentemente, se preparam para fazer o mesmo com o Oceanário. E não me admirava se em todos estes negócios ainda se gastassem uns milhões de fundos comunitários. Para entregar tudo a brilhar ao tomador!
No caso do centro de congressos que se procura para o Porto, lembro apenas a existência do Europarque, uma das melhores infraestruturas do género da Europa que tem um dos maiores centros de congressos de toda a Região Norte e do país. Naturalmente subutilizado.
Por que é que a Área Metropolitana do Porto não olha a sério para este ativo e o põe a render para todo o território? Onde está a coerência com os discursos de integração metropolitana que todos usam quando dá jeito?
Se a Câmara Municipal do Porto não der o exemplo, é bem possível que venha a ser nominalmente acusada de visão míope e gestão danosa!