"Jesus é o Senhor" é uma frase muito ouvida no Brasil, mas vê-se agora substituída por outra, relativa à segunda fé mais professada no país, o futebol.
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A partir de agora, Jesus é mais que o Senhor, Jesus é o míster. Jorge Jesus é o novo guru da torcida do Flamengo, e na passada quarta-feira quase atingiu o Olimpo, ao acabar com uma maldição de 38 anos, conseguindo um lugar na final da Taça Libertadores, depois de um atropelo por 5-0 ao Grémio (5-0 é, de resto, uma cifra que marca a carreira de JJ). Depois disso, lembrando o velho Jesus que há muito conhecemos, veio logo alertar para a possibilidade de perder a final, e lembrar que "importante é lá chegar". Nós, que já conhecemos Jorge Jesus de ginjeira, estamos a assistir, com ternura, e com um oceano pelo meio, à estreia dos brasileiros nesta coisa de lidar com o "mestre da tática" (nós, já escaldados, usamos as aspas). No fundo, é como ver um ex-marido a casar-se novamente. Podemos até ficar felizes por ele, e achar tocante a paixão que o casal evidencia, mas sabemos, mais coisa menos coisa, como vai acabar. Ele vai voltar aos velhos hábitos, como deixar roupa suja espalhada pela casa e a nova mulher vai enervar-se tanto quanto nós. Quem diz roupa suja, diz falar mal do árbitro ou querer bater num agente de autoridade. Um policial, neste caso. Mas é melhor ter cuidado, que no Rio de Janeiro os agentes andam mais armados do que em Guimarães. Assistir a esta aventura de Jorge Jesus no Brasileirão é como rever um filme que já conhecemos, mas na versão dobrada pela Herbert Richers. Em vez de pastilha, o míster masca chiclete (ou, ocasionalmente, chupa uma bala) mas de resto é tudo igual. "Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo", já dizia o carioca Gabriel, o Pensador. Mas Jesus não consegue cumprir a recomendação. Ele é mesmo sempre o mesmo. E isso tem tanto de desesperante como de maravilhoso. Desesperante, dirão sobretudo benfiquistas e sportinguistas, por repetir sempre os mesmos erros. Maravilhoso, porque enquanto personagem deste grande filme que é a bola (agora em modo novela da Globo), Jesus desiludiria o público se deixasse de ser exactamente como é. Provocador, desconcertante, egocêntrico. Jesus adora aparecer. E adora saber que aparece, mesmo à distância. Depois de uma retumbante vitória sobre o adversário, na meia final da mais importante competição da América do Sul, o que disse Jesus? "Um abraço para Portugal. Acompanharam o jogo e as audiências foram top". Ou seja, mal chegou ao balneário, teve acesso aos dados de medição de audiência da Gfk. Jesus já não pensa apenas em vencer o River Plate, no dia 23 de novembro. Quer também ganhar a guerra de audiências à Cristina Ferreira. Jesus tem quebrado todos os recordes no Brasil e, por cá, dá-se aquele fenómeno de admirarmos tudo o que vem do estrangeiro. Mesmo que seja um produto exportado há pouco tempo por nós. Da mesma maneira que a Daniela Ruah só se tornou boa atriz, aos nossos olhos, depois da validação vinda dos Estados Unidos, ou que Diogo Morgado passou a ser um sex symbol especialmente interessante porque lá fora lhe chamaram "hot Jesus", este outro Jesus (também quente, já que o sangue lhe ferve) parece ser uma novidade excitante cá no burgo, como se estivéssemos em 2009. De repente, surge o boato de que o Benfica deseja ter de volta o seu antigo treinador (esquecendo assim até as cenas em tribunal), a CMTV dá conta de que os adeptos do FC Porto "imploram por Jorge Jesus", ainda que tenham sido só duas pessoas à saída do Estádio do Dragão, e, o mais certo, é o Frederico Varandas tentar contratar JJ, no mesmo ano em que já tentou José Mourinho. Jorge Jesus volta assim a ser a última Coca-Cola do deserto. Ou o último Guaraná do Leblon, já que a sua travessia do deserto já passou, na Arábia Saudita. Nessa altura (e foi há poucos meses), ninguém o queria. De repente, valorizado pelo mercado brasileiro, tornou-se mais desejado que o galã Ricardo Pereira. Conclui-se assim que JJ vale mais em reais do que em euros. Boa sorte, míster, pode ser que a terceira final seja de vez. Pelo sim, pelo não, peça para o cronómetro, ao minuto 91, passar para o 93. Diga que é uma tradição "portuga".
20 VALORES
Para o CDS, que contestou a localização de André Ventura. Eu percebo que possam ainda estar espantados com o facto de ele estar dentro da Assembleia, mas era escusado armar um pé de vento só porque o lugar destinado a Ventura é ao lado deles. Dizem que o deputado do Chega vai obrigar os centristas a levantarem-se para passar. No fundo, é a típica discussão de avião sobre quem vai à janela ou no corredor. O CDS deixou de ser o partido do táxi e passou a ser uma companhia low cost.
*HUMORISTA