A situação pandémica que vivemos aumenta os comportamentos de risco, incluindo os relacionados com o consumo de álcool, drogas e jogo. Os problemas de jogo patológico afetam desproporcionalmente as pessoas mais pobres e marginalizadas, contribuindo para adensar os seus problemas financeiros, degradar a sua saúde e reduzir a sua esperança média de vida.
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Sabendo-se que as políticas públicas de regulação da publicidade e acesso ao jogo são eficazes na redução dos consumos e das situações de doença, vários países, incluindo Espanha, adotaram medidas adicionais de controlo durante a pandemia. Em sentido inverso, o governo português não só manteve a venda dos jogos "sociais" na lista de serviços essenciais como ainda anunciou uma nova raspadinha para financiar o património cultural.
Esta situação é inaceitável e incompreensível. A raspadinha é um jogo particularmente viciante e extraordinariamente popular em Portugal. Apesar dos sucessivos alertas, continuamos sem mecanismos eficazes de regulação e autoexclusão para as situações de jogo patológico com raspadinhas e os serviços de saúde continuam sem recursos adequados para tratar esta doença. Além disso, a raspadinha funciona como um imposto regressivo que põe os mais pobres e vulneráveis a pagar os serviços que o Estado tem obrigação de garantir. Em tempo de pandemia e de crise económica e social, esta medida é injusta e duplamente penalizadora.
Ao mesmo tempo que se demite das suas funções, o Estado comporta-se como um promotor comercial com interesses financeiros no negócio. Não defendemos a proibição do jogo mas a garantia do interesse coletivo e da saúde pública estão em causa nesta matéria.
É pena que o governo não perceba que este jogo não compensa. Como em todos os jogos de sorte e azar saímos todos a perder.
Psiquiatra e professor da Universidade do Minho
