Já há algumas semanas escrevi sobre o caso de Felisbela Lopes, a professora universitária de Braga, doutorada na área de televisão, que fora apontada pelo Conselho de Administração da RTP (CA) para o lugar de Provedora do Telespectador, e cujo nome foi vetado pelo Conselho de Opinião (CO). Soube-se, na altura, que a esse veto não fora alheio o facto de o CO ter tentado, sem sucesso, promover a nomeação de um conselheiro desse órgão, e que Felisbela acabou por constituir um "dano colateral" no conflito entre o CA e o CO da RTP.
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É verdade que a lei vigente prevê que o nome indicado pelo CA esteja sujeito a parecer vinculativo do CO, mas nela também se determina a obrigatoriedade de um eventual parecer desfavorável ser "devidamente fundamentado no não preenchimento dos requisitos" previstos na legislação. Que são apenas três: reconhecido mérito profissional, credibilidade e integridade pessoal, tornando escassa a margem de apreciação do CO, e muito difícil a justificação do veto exercido pelos conselheiros do mesmo órgão, atendendo ao currículo inatacável da docente e pró-reitora da Universidade do Minho.
Foi certamente por isso que o CA não se conformou com a decisão do CO e recorreu judicialmente deste veto, tendo o Tribunal Administrativo ordenado que lhe fosse entregue a gravação da reunião para averiguar divergências entre o que foi dito dentro de portas e a Acta, pedido que aliás já fora feito pelo CA, e que o CO resolveu contestar, dizendo que essa gravação só serve como "suporte" de elaboração da Acta, o que diz bem dos critérios de transparência de que esse órgão se ufana e lança a dúvida sobre a autenticidade da versão oficial mantida em Acta.
Eis senão quando, e para salvar a honra do CO, o ministro da tutela, Jorge Lacão, numa atitude de difícil compreensão, resolve entrar em cena, e chama Felisbela Lopes para uma reunião em que a tenta convencer a desistir da sua disponibilidade para exercer o cargo. Felizmente, a docente, que a facção dominante do CO julgava incapaz de afrontar o CA e enfrentar a direcção do canal, não se atemorizou com a intervenção do ministro porque, como disse, não está disposta a prescindir do seu bom nome pelo que quer que seja.
Foi assim, perante a insólita recusa de uma cidadã responsável em se submeter aos caprichos da ordem política, que o ministro optou então por mudar a lei, sem sequer dar conhecimento prévio ao CA dessa sua intenção, avançando com uma proposta de alteração à lei que, a ser aprovada no Parlamento, reforçará os poderes do CO na nomeação do provedor. Pretende o Governo que, em vez do actual poder de veto à escolha do CA, o CO passe a propor três nomes para o cargo, cabendo ao CA optar por um deles.
Por trás desta história sinistra, há muitos outros factores em jogo, e um objectivo final, que a coragem de Felisbela Lopes e a coerência do Conselho de Administração da RTP tem vindo a complicar. A ingerência pessoal do ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, apesar da sua reconhecida tendência para "gafes" desta natureza, comprova que há uma manobra nos bastidores, que não passa apenas pela promoção de José Rebelo ao pouco poderoso cargo de provedor do telespectador. O que está em causa, nesta pouca vergonha, é o controlo e manipulação da informação pública e da regulação dos média, uma cruzada em que este ministro e a brigada do croquete, liderada por Manuel Coelho da Silva, que preside ao CO, parecem ter interesses comuns.