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O jogo é uma actividade ancestral do ser humano que, de lúdica, pode deslizar sub-reptícia e rapidamente para uma patologia grave. Até 1927, em Portugal, era absolutamente proibida a exploração e a prática de jogo, a qualquer título. O legislador veio, porém, a reconhecer que "o desejo de jogar apresentava-se como uma realidade incontornável, e por isso que o decreto de 3/12/1927 dizia, no seu preâmbulo, que o jogo era um facto contra o qual nada podiam as disposições repressivas. Permitiu-o, então, com uma regulamentação e fiscalização rigorosas e pormenorizadas - referências e citações do regime jurídico dos jogos e apostas online. O legislador não liberalizou a prática do jogo, autorizou-o, com fortes restrições, limites e exigências, ponderando o equilíbrio de todos os valores em causa - proibir uma actividade que potencialmente podia ser causadora de um dano individual, familiar e social ou, inversamente, reconhecer que mesmo proibida, ela existe - da mesma fonte. No entanto, reconhecida a ineficácia da repressão, o legislador sempre reservou para o Estado o direito de explorar jogos de fortuna ou azar, permitindo, porém, a possibilidade de concessão. Na permanente preocupação de controlar e regulamentar os vários tipos de jogo, surgiu a necessidade de o fazer relativamente ao jogo online, ponderando e reflectindo aquelas que são as recomendações da Comissão Europeia. São, no mínimo, estranhos alguns conteúdos publicitários, nomeadamente televisivos, atinentes a este tipo de apostas. Um deles utiliza, inclusive, actividade desportiva proibida em locais de lazer e descanso públicos. Um grupo de jovens joga futebol numa praia bastante frequentada, um deles dá um pontapé mais vigoroso na bola, que voa para cima de alguém que tenta abrir um chapéu de sol, caem ambos com o impacto, a bola segue o seu caminho esborrachando a sandwich na cara de um outro utente, indo cair aos pés de uma jovem que, ao telemóvel, aposta em jogo online. Depois de umas habilidades com a bola, pontapeia-a em direcção aos jogadores, enquanto se ouve o som próprio de quem ganhou aquela aposta. Simultaneamente, oferece-se uma quantia em dinheiro no primeiro depósito do jogador. Outros anúncios, explicita ou implicitamente, incitam à violência, como é o caso de uma reprodução de um casino no velho faroeste. Será que estão a ser cumpridas as regras do código da publicidade, nomeadamente a que estatui que a publicidade deve ser efectuada de forma responsável, respeitando, nomeadamente, a protecção de menores... privilegiar o aspecto lúdico da actividade... não apelando a aspectos que se prendam com a obtenção fácil de um ganho... nem encorajando práticas excessivas de jogo ou apostas? Parece-me que os serviços responsáveis não estão suficientemente atentos à violação daquelas regras, o que acaba por desequilibrar o pretendido e procurado balanceamento dos interesses públicos que a lei do jogo importa preservar.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia