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Era o whisky favorito de Sir Winston Churchill. O talentoso político e prémio Nobel da Literatura também pintava. Diz-se, de um curioso quadro, "Bolttlescape", ter sido pintado como homenagem ao seu whisky favorito: Johnie Walker - Black Label. Escocês de Kilmarnock. Seria interessante saber o que pensaria hoje Churchill sobre o referendo, o seu resultado e respetivas consequências.
Não tenho dúvidas de que seria unionista ou, pelo menos, equacionaria com muito cuidado todas as facetas do problema.
Na verdade, fico perplexa com grande parte das análises a que tenho tido acesso. Apoiantes da união ou da independência tendem a organizar uma argumentação quase sempre emocional e muito descuidada do ponto de vista da incerteza que todo o processo encerra.
Mais do que um centralismo que, tantas vezes, priva o território dos recursos a que tem direito, o que torna insuportável um modelo como esta união com quatro países constituintes é, sobretudo, a falta de liberdade para definir, a cada momento, e de forma muito específica, as políticas mais apropriadas ao desenvolvimento dos seus territórios.
Ainda que, como no caso vertente, tenha havido ao longo do tempo uma "regionalização" da soberania, mas sempre sujeita à intocabilidade das "reserved matters".
Claro que é possível e até já aconteceu ao Reino Unido. É possível criar um país que resulta da secessão de um outro. Foi assim que nasceu o Estado Livre Irlandês em 1922, mais tarde República da Irlanda (1949).
A questão é que, nessa época, o Mundo não estava tão globalizado e o projeto europeu não tinha ainda integrado de forma tão irreversível os direitos e deveres dos seus membros.
Por isso, os escoceses e todos nós, devíamos ser levados a ponderar com muita seriedade, pelo menos, o que seria absolutamente desejável que estivesse definido antes de qualquer referendo separatista.
Qual a ligação do novo Estado, no caso de ganhar o "sim", com a União Europeia? Pode um país que tem origem num Estado-membro manter automaticamente o estatuto? E pode o que fica manter igualmente as condições negociadas? Lembro-me que o "cheque britânico" ou o "rebate" negociado por Margaret Thatcher tinha muito a ver com os montantes líquidos alocados ao Reino Unido. Ora, se a Escócia deixa de fazer parte destas contas talvez também o remanescente Reino Unido deva igualmente refazê-las.
E a Escócia, a ser automaticamente aceite, deve manter os opt-outs garantidos ao Reino Unido? Não participar em Schengen, não aderir ao euro?
No caso de não ser possível ao novo Estado ser automaticamente considerado um membro da Comissão, deverá candidatar-se? E vai passar à frente da fila? Não haverá mais urgência na Ucrânia?
O que a União Europeia fizer neste caso terá consequências para todos os outros casos de países que nascem como as "pedras parideiras". O inescapável caso da Catalunha está à porta. Julgo que se manterá em força mesmo que ganhe o "No, thanks!".
A um nível mais mundializado colocam-se graves problemas de segurança e defesa europeias, sobretudo porque parte relevante do arsenal nuclear britânico está sediado em território escocês que, querendo ser parte da NATO, não quer ser uma potência nuclear. Deslocalizar será difícil e perigoso, destruir impensável no contexto do equilíbrio geral da aliança atlântica.
Isto, ao mesmo tempo que a Escócia perderia estatuto na ONU, já que não poderia manter o lugar no Conselho de Segurança, direito exclusivo do Reino Unido.
Mas, onde as consequências da incerteza gerada seriam mais desastrosas, designadamente para países como Portugal, seria a instabilidade senão o pânico gerado nos mercados. São dossiers com demasiado impacto os que ficam sem resposta. E não ter resposta significa ter mercados muito nervosos. Os primeiros a sofrer serão sempre os mais pequenos e vulneráveis.
Talvez todos saibamos isto e talvez todos nos resignemos à ideia de que nunca haverá um dia certo para fazer revoluções ou fazer nascer países. Mas nunca tantos de nós se expuseram a danos colaterais tão significativos.
Daí que me pareça impossível acompanhar posições apenas emocionais ou libertárias e, ao contrário, me pareça sempre que é tempo de nós, por cá, discutirmos com os pés na terra, não a independência das nossas regiões (nem das autónomas), mas a regionalização dos nossos direitos e responsabilidades.