Jornadas de fim de ciclo
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A intervenção do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, no encerramento das jornadas parlamentares conjuntas do PSD e do CDS confirmaram a atmosfera irrespirável que se vive no Governo. Um orçamento que não convence ninguém, o desinteresse dos deputados, um estado de tensão entre os dois partidos da coligação e uma sondagem que coloca o Partido Socialista à beira da maioria absoluta foram argumentos suficientes para que o líder do Governo desatasse a disparar para todos os lados.
Na opinião de Passos Coelho, à "irresponsabilidade" dos socialistas soma-se agora a preguiça generalizada dos comentadores e da comunicação social. Este grupo de profissionais, diz, "não leu, não estudou, não comparou", empenhando-se numa cruzada contra o Governo e contra a proposta de orçamento para 2015. Vai daí, conclui que querem seguir a manada, naquilo que designa por "Maria vai com as outras", o que me faz supor que já dá como certa uma viragem no eleitorado.
Estranha esta interpretação que o primeiro-ministro faz da democracia e do papel dos comentadores e dos jornalistas, sobretudo porque ignora os indícios de fim de ciclo que brotaram das ditas jornadas parlamentares e do contexto que as envolveu.
Primeiro, o contexto. No final da semana, foram conhecidos os dados da execução orçamental entre o início do ano e o final do mês de setembro. O défice reduziu face a igual período do ano passado, é certo, mas a verdade é que a receita fiscal contribuiu com 95% do ganho de 1421 milhões de euros. Ou, visto de outra forma, apenas 5% da consolidação orçamental resultou da redução da despesa, uns meros 75 milhões de euros. Numa análise mais detalhada, confirma-se aquilo de que todos suspeitávamos: as receitas do IRS e do IVA dispararam. Intensificou-se, portanto, o autêntico confisco imposto aos portugueses, que lhes subtrai uma parte muito considerável do seu rendimento. Ao que sobra, naturalmente destinado ao consumo, o Estado aplica ainda um segundo rombo através do IVA.
A proposta de orçamento para o próximo ano não promete qualquer alívio digno de nota. Mantém-se a carga fiscal, incluindo a sobretaxa de IRS, que poderá eventualmente ser alvo de um modesto aligeiramento, com devolução apenas em 2016. A menos que o Governo ache que os portugueses, comentadores e jornalistas incluídos, são estúpidos, parece-me natural constatar que o orçamento que se avizinha continuará a viver do saque fiscal aplicado aos contribuintes. E, por maioria de razão, constatar a ineficácia das reformas e a ausência de uma estratégia de crescimento ao longo do mandato. Por muito que custe ao primeiro-ministro e à sua ministra das Finanças, aquilo que permite ainda que uma grande franja da sociedade portuguesa possa respirar foram as decisões do Tribunal Constitucional relativamente a toda uma geração de orçamentos do Estado da sua autoria.
As jornadas parlamentares PSD/CDS acentuaram o sentimento de fim de ciclo. Logo na abertura, aquando da intervenção de Luís Montenegro, estavam na sala menos de metade dos 132 deputados da maioria. As intervenções de alguns ministros deixaram muito a desejar. A ministra das Finanças ignorou as questões sobre o IMI. O ministro da Educação nada disse sobre o desastroso dossier da colocação de professores. A ministra da Justiça defendeu a tese de que o Citius, a tal asneira que bloqueou o funcionamento da justiça, foi uma arma de arremesso para criticar a sua grande reforma. O ministro dos Negócios Estrangeiros, justamente aquele que tutela a diplomacia nacional, lá teve uma vez mais de justificar a sua deficiente competência diplomática, repisando o argumento de que não disse aquilo que dizem que disse.
Nesta espécie de naufrágio, o ministro da Economia não deixou os seus créditos por mãos alheias. Resolveu atirar-se aos autarcas, alertando para a tentação de estes criarem "taxas e taxinhas". De volta, recebeu uma dura resposta de Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais e vice-presidente do PSD, que lhe recordou que os autarcas não têm um estatuto inferior e que, em matéria de impostos, o bom senso exige-se sobretudo aos ministros.
Não se respira bem no Governo e, nestas coisas, lá vem o clássico ataque aos comentadores e à comunicação social. Costuma ser também o princípio do fim.