Nestes dias, algumas pessoas terão ficado surpreendidas com o facto de, num inquérito lançado aos jornalistas portugueses, a classe ter assumido (92,2%) que, "a nível editorial, a par da difusão de informação relevante, houve preocupação de orientar os cidadãos para comportamentos de prevenção e tratamento da covid-19". Para mim e para os três colegas que conduziram esse trabalho, o estranho teria sido o contrário. Expliquemos melhor.
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Logo nos primeiros dias da pandemia, quando começámos a reunir peças noticiosas para estudar a cobertura jornalística que era feita, fomos sendo confrontados com um jornalismo algo renovado, diferente daquele que estudámos a partir do campo da saúde desde 2010. Os ângulos diversificavam-se, as fontes multiplicavam-se, os especialistas sobrepunham-se aos políticos, os formatos mais propícios a uma literacia em saúde cresciam enormemente, a escrita adaptava-se a consumidores de informação que procuravam aí âncoras para um quotidiano de incertezas.
Nas perguntas sobre os aspetos mais positivos que o jornalismo chamou a si neste tempo, os jornalistas falaram-nos de um maior cuidado com o rigor, identificando o seu trabalho com uma função de serviço público a uma população que, durante muitos dias, ficou confinada em casa, com altos consumos de informação. Os jornalistas cujas empresas se afundavam em situações financeiras difíceis estavam conscientes de que o seu trabalho tinha impacto na população e procuraram ajudar os cidadãos a encontrar pontos de referência.
Defende quem tem uma visão mais purista da profissão ou quem segue teorias da manipulação que assim não deve ser. Acontece que a realidade contraria pretensões mais etéreas. Em contextos pandémicos, a informação tem efeitos diretos sobre as populações. Essa influência está amplamente estudada por quem se dedica ao jornalismo da saúde em universidades de diferentes países, nomeadamente quando está em causa a saúde pública. Não será por acaso que a mediatização noticiosa deste campo permite que se recorra amplamente a uma literacia que noutros campos seria considerada excessiva. Quando a saúde é notícia, permite-se que se conduzam os públicos para a promoção da saúde e para a prevenção da doença. Em situações de pandemia, o jornalismo é um importante meio de combate à doença. Que pode ajudar a alcançar efeitos positivos quando se coloca do lado da saúde pública, exatamente o espaço que esperamos que ocupe nestes contextos tão excecionais.
Professora da Universidade do Minho