Toda a discussão à volta das cerimónias parlamentares do 25 de Abril só é possível porque houve 25 de Abril. Sem aquela madrugada, este texto não estaria nas páginas do JN e os comentários discordando ou concordando com os meus argumentos nunca poderiam ser escritos, nem lidos.
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Pelo lápis azul não passava nada que fosse incómodo para o regime e isso terminou naquele dia de Abril. Não havendo, como escreveu Carlos de Oliveira, "machado que corte a raiz ao pensamento", a ditadura impunha que calássemos o que pensávamos. Hoje, todos são livres de dizer o que pensam e há até quem possa defender que não faz sentido celebrar essa mesma Liberdade.
Em 1993, ao longo de 36 dias, entre o final de março e o final de abril, os jornalistas protestaram por estarem impedidos de circular livremente nos corredores da Assembleia. Como consequência de um boicote dos jornalistas à atividade parlamentarem e sem garantias de que a cerimónia teria cobertura noticiosa, o presidente da República, Mário Soares, anunciou que não estaria presente, PS e PCP informaram que não fariam nenhuma intervenção e o presidente da Assembleia da República, Barbosa de Melo, não teve outra solução que não fosse cancelar as cerimónias do 25 de Abril.
O que contagiou por inteiro a classe dos jornalistas foi a defesa da liberdade de informação, só possível com o livre acesso às fontes, coisa que não estava garantida. Para defender a liberdade, foi necessário boicotar a celebração dessa mesma liberdade na casa da democracia. Este paradoxo não pode servir, no entanto, para defender que o mesmo aconteça agora. Há 27 anos, a festa fez-se na rua. Repetir a receita é impossível, pelo que se pede bom senso. Façam lá a festa com menos gente, dando o exemplo ao resto do país.
P.S.: Os que gostariam que este dia nunca tivesse acontecido, defendem que a liberdade só chegou em 1975. É errado. Na verdade, a democracia só começou a consolidar-se com o 25 de Novembro do ano seguinte, mas foi Abril de 74 que trouxe a liberdade e ela nunca mais nos faltou. Foi por sermos como a gaivota, livres de voar, que pudemos derrotar o PREC, fazendo vingar a vontade de uma larguíssima maioria dos portugueses. Foi em liberdade que os portugueses escolheram viver em democracia.
*Jornalista