Quando há dois dias a administração Trump retirou a credenciação ao correspondente da CNN na Casa Branca, em retaliação pelas perguntas incómodas deste ao presidente, Trump passou da retórica contra o jornalismo para os atos contra a liberdade de Imprensa. Permitir a um Governo escolher os jornalistas que cobrem a sua atividade é o contrário da liberdade de Imprensa. Surpreende-me que os outros média, embora criticando Trump, pareçam aceitar como inevitável a exclusão desse jornalista. Claro que a CNN pode enviar outro jornalista mas a semente que mina a liberdade fica instalada quando qualquer jornalista conhece as consequências que certas perguntas podem originar...
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Num dos melhores filmes sobre jornalismo, "Broadcast News", é-nos dito que a qualidade e liberdade do jornalismo não desaparecem do dia para a noite mas pouco a pouco, com cedências éticas aparentemente insignificantes. No que diz respeito à cobertura da política muitas destas cedências estão intimamente relacionadas com a natureza crescentemente transacional da relação entre jornalismo e política. Os jornalistas que cobrem política são escolhidos, em boa parte, pela sua rede de contactos; pelo acesso que têm aos políticos. Esta proximidade entre políticos e jornalistas é inevitável e necessária. Mas também tem muito de perigoso. Se um jornalista pode necessitar de um político para ter as informações necessárias para explicar uma notícia ou mesmo denunciar um escândalo, também se pode transformar em instrumento desse político, uma corrente de transmissão de meros recados políticos. Basta recordarem notícias recentes com base em fontes que se revelam enganadoras mas que, provavelmente, continuam a alimentar os mesmos jornalistas pois estes delas dependem. E também são conhecidos casos de líderes políticos que ameaçaram, frequentemente de forma oculta (e logo mais perigosa porque não sujeita ao escrutínio público), jornalistas com represálias. Sempre me surpreendeu a resposta de muitos jornalistas: é normal pois o jornalista tem obrigação de resistir; como se não devêssemos punir uma tentativa de corrupção só porque qualquer pessoa deve resistir à mesma... Os políticos podem fornecer as informações que entenderem aos jornalistas e têm mesmo direito de resposta, quando entendem que uma notícia faltou à verdade. Mas não têm direito de os ameaçar e muito menos de forma não transparente. Quando isso aconteça ou quando um político for uma fonte que falte à verdade é obrigação dos jornalistas, para com os seus leitores, revelarem-no. Não o fazer é contribuir para os Trumps do outro mundo e do nosso.
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO