Se o nascimento de um filho ilumina o coração dos pais, por que razão o São José do presépio se apresenta sempre tão sombrio nas iconografias do Natal? Arrisco uma resposta simples: São José queria uma menina...
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Ironia à parte, sempre achei ternurento o despojamento do menino e a modéstia do presépio. E gosto da tradição da minha terra, onde se acende o Madeiro que há de arder até aos Reis, esses que simbolizam os mistérios do tesouro (ouro, incenso e mirra), que são a dádiva e a entrega. Ao contrário, desprezo a imagem importada, gorda e consumista do Pai Natal e todo o conceito que se lhe associou, sem todavia apagar as marcas milenares das festas do solstício (nascer de novo) que atravessam todas as civilizações.
Um astrofísico famoso profetiza que, dentro de mil anos, uma primeira migração de seres humanos estará a abandonar a Terra para se instalar noutros pontos do Universo. A visão é de que, por essa altura, o crescimento demográfico, a falta de alimentos, as alterações climáticas e a pestilenta degradação da natureza terão feito deste planeta um lugar impróprio. Aqui, ficarão os velhos, os incapacitados, os pobres e uns tantos covardes. Enquanto naquele outro condomínio, os novos pais fundadores serão cosmonautas, sonhadores, jovens e fortes. Dada a escassez de espaço nas naves, verdadeiras arcas de Noé, os emigrantes cósmicos levarão consigo uma amostra dos melhores frutos terrenos. Não faltarão o cereal e a vide, que foram na Terra o corpo e sangue dos deuses, e talvez um Porto ou uma aguardente velha para brindar ao êxito da expedição e à saúde, no ano que vem.
Por essa altura, o conhecimento do genoma humano permitirá uma absoluta manipulação genética dos óvulos e espermas congelados dos génios da história. E no cérebro humano estarão guardadas a ciência, as artes e a cultura que puderam ser salvas da hecatombe planetária. Será então possível recrear os versos, a pintura, a música, a ironia, enfim, tudo o que na Terra nos permitiu distinguir-nos das bestas, por exemplo, a liberdade e, oxalá, o amor. Feitos reis magos, cada um de nós pode até imaginar o que salvaria deste planeta e levaria a bordo da nave para esse outro mundo, como se fôssemos tripulantes galácticos. Pela minha parte não dispensaria as couves, o bacalhau e o azeite e, porventura, uns dentes de alho, se ainda coubessem, para cozinhar a roupa-velha com os que amamos. Pois bem, esse tesouro que cada um levaria para o presépio de outro mundo ainda está na Terra, bem aqui à nossa frente. Gozemo-lo. Boas-festas.
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