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O arrastamento de processos judiciais prejudica todos os intervenientes, mas é particularmente penalizador quando envolve figuras públicas. Os dados processuais vão sendo retalhados, divulgados consoante o gosto e julgados ao estilo de um dérbi futebolístico. Na Operação Marquês, que envolve um ex-primeiro-ministro e ex-dirigente partidário, a simplificação agrava-se. Como se apenas fosse possível estar-se ou a favor de José Sócrates, empenhado em apresentar-se como vítima de cabala e de perseguição, ou a favor de Carlos Alexandre, o superjuiz que não teme os poderosos.
A justiça merece ser tratada com mais seriedade. E se José Sócrates se excede em tantos momentos a dizer o que não devia de poderes acima dos quais não pode querer colocar-se, é pena que também o juiz que avalia e valida as decisões do Ministério Público no processo tenha optado pelo caminho das insinuações e meias-palavras.
Um juiz tem, desde que nunca comentando casos em concreto, o direito de falar. Mas domina suficientemente as leis e deveres profissionais para se distanciar das considerações típicas da conversa de café. Na entrevista que este fim de semana deu ao "Expresso", Carlos Alexandre lança farpas ao Fisco, para de seguida retificar que não foi perseguido pelas autoridades, mas por "outras pessoas" que não gostaria de nomear. Desconfia dos serviços de informações. E lança acusações nunca concretizadas aos próprios colegas.
Se em determinado momento dá a entender que muitos magistrados se respaldam na aprovação superior das decisões para não correrem riscos, noutro ponto da conversa assume claramente que existem juízes capturados por interesses e grupos ou com filhos em "instâncias informais ou formais de controlo". Mas quando lhe perguntam claramente do que fala, recusa e diz que "a quem servir" o recado há de chegar.
Num país em que os níveis de corrupção causam arrepios e a morosidade da justiça tem um enorme impacto negativo na economia, é vital investir na reforma do sistema e restaurar a confiança dos cidadãos nos tribunais. Uma tarefa que deve ser encarada com rigor por todos os decisores e operadores envolvidos. Do que a justiça menos precisa é de arguidos que se julgam acima dos comuns mortais e de juízes que não medem os riscos das insinuações na praça pública, em vez de tratarem eventuais parcialidades nas instâncias próprias. De bocas e juízos de valor estão as redes sociais cheias. A quem administra a justiça, cabe-nos exigir mais e melhor.
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