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1. Justiça. Quanto custa ao Estado a paralisação, há mais de um mês, de boa parte do sistema judicial? O prejuízo é das empresas e das vítimas. O preço é a perda sistemática da "confiança" na Justiça. Sem tribunais, a vontade de executar dívidas à força, fazer justiça pelas próprias mãos ou não investir com o risco de incumprimentos, sobe em flecha. Quem zela por isto? Ninguém. Vai sair muito caro.
No caso em concreto do colossal falhanço do programa informático Citius há uma enorme superficialidade de Paula Teixeira da Cruz. O novo Mapa Judiciário andava a ser anunciado há dois anos por ela própria. Era a sua marca para a história. Mas nem a demissão, meses antes, do chefe de gabinete da ministra, fez soar as campainhas. Ignorou. E arriscou uma ordem em estilo imperial: faça-se! Não se fez. Agora a ministra pode demitir-se ou não, é indiferente. Será provavelmente a pior ministra da Justiça do pós-25 de Abril - o que era quase impossível de se conseguir.
2. Já na Educação, mais do que o estrondoso falhanço da palavra de Nuno Crato, está em causa a máquina do Ministério da Educação. A gigantesca máquina centralizadora "soviética" de colocação de professores engasga todos os anos. O que prova quão útil é o reforço da autonomia das escolas (que gradualmente vai avançando) e a necessidade de se descentralizarem processos como este.
Não se conseguem transferir, sem custos, alguns funcionários para as Direções Regionais ou "CCDR-Educação" de forma a minimizar riscos? Não, nada. E Crato não se vai demitir. Na verdade, não resolveria nada. Ele foi apenas mais um a contribuir para que a máquina do Ministério, todos os anos, deixe todos mal: os professores, vítimas da kafkiana burocracia, alunos e os contribuintes que têm de pagar os prejuízos provocados pelos tecnocratas sem nome.
3. Repare-se, aliás, no que é o Estado. Os programas da Agricultura são o maior êxito económico que este Governo pode apresentar. Não por seu mérito mas porque a crise levou a uma fuga para o campo à boleia dos fundos comunitários disponíveis. Entre 2009 e 2014 calcula-se que tenha havido mil milhões de investimento por ano - cinco mil milhões no total.
Ora, o que fez Assunção Cristas? Em primeiro lugar alterou as regras de candidaturas do Proder no início de 2014 sem aviso prévio. Até lá os promotores podiam submeter as candidaturas com alguns investimentos em curso. De um dia para o outro esses gastos foram desclassificados e zero de apoio. Mas pior: a meio deste ano, e de novo sem aviso, a ministra suspendeu os fundos, demitiu a gestora do Proder, e impediu novas candidaturas. Não há sequer um prazo para reabrirem. E porquê? Para reformular a máquina administrativa, fazer contas dos projetos entrados e preparar pagamentos. Ou seja, um hiper-Estado não consegue transferir gente para ajudar na Agricultura - um sucesso que até ao Governo interessaria mostrar. Mas não. Impedem-se os novos investimentos e não há uma data à vista. Será que a ministra tem noção dos danos que está a provocar na economia real? (E, já na sua base eleitoral?)
4. Neste outono de inundações, a comissão de inquérito ao BES. Uma tragédia explicada por dentro sobre como se destruíram poupanças das pessoas e os seus muitos anos de trabalho - além da perda nacional de bancos, seguradoras, hospitais e da joia da coroa, a PT. Onde fica claro que não se havia aprendido quase nada desde a crise do Lehman Brothers de 2008. Razão pela qual, aliás, ninguém do banco norte-americano foi preso e há dúvidas de que Ricardo Salgado vá parar à cadeia. Mas a questão essencial para os afetados pela incompetência do Estado (e dos seus braços de regulação) é outra: quem assume as responsabilidades em Portugal? Quando há um ressarcimento, já passaram tantos anos que não serve de nada. A Justiça é o pior sistema público, deixando as pessoas numa claustrofobia - não têm a quem recorrer. A lei vale o quê? Quando esta conclusão se torna absolutamente evidente, entra em campo a força, o desespero. As revoluções começam assim.