Na semana passada, os estudantes universitários de Coimbra colocaram uma corda ao pescoço da estátua de D. Dinis. Simbolicamente, protestavam contra a falta de apoio estatal que asfixiava a universidade, em geral, e os estudantes mais carenciados, em particular. A primeira crítica vem sendo, nos últimos anos, habitual e objecto de controvérsia, com ministério e reitores a agitarem números diferentes. A segunda, tem vindo a surgir com mais veemência, como reflexo natural do que acontece na sociedade, como um todo.
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O mais preocupante, para mim, é a naturalidade com que, mesmo estudantes universitários, potencialmente a elite deste país, caracterizam o problema e encontram soluções. Quando se esperaria uma descrição rigorosa (identificámos tantos casos, em famílias com estas características), ouvimos generalidades. Como ouvimos o costumeiro pedido para que o governo resolva o problema. Vindo de pessoas que têm de estar na frente da batalha da modernização do país, não augura nada de bom. Pensando bem, não será de estranhar. Em Portugal existe uma fortíssima ideologia que remete para o Estado a origem e o fim dos problemas, sendo as universidades o principal fautor da reprodução dessa maneira de actuar e pensar.
No caso em apreço, não está em causa a necessidade de reforçar os mecanismos de solidariedade com estudantes mais carenciados. O que, porém, já está em causa é que nos limitemos a admitir que tudo o resto se deve manter, aumentando apenas o apoio estatal. Está documentado, de uma forma inequívoca, que a educação de nível superior garante, em Portugal, uma elevada taxa de retorno para quem nela investe. Incluindo nas contas não apenas as propinas, mas também todos os outros custos.
Está, igualmente, documentado que os estudantes do ensino superior provêm, em geral, de famílias com um estatuto socioeconómico acima da média. Essa realidade é tanto mais marcada quanto mais elevadas são as notas de entrada nos respectivos cursos, evidenciando a importância do contexto em que se vive. Como consequência, tenderá a encontrar nos cursos de medicina estudantes provenientes de famílias mais ricas e em cursos com menor procura estudantes mais carenciados. Como, por regra, encontrará filhos de famílias com menos posses nos estabelecimentos de ensino superior menos exigentes nos requisitos de entrada, por exemplo, no ensino privado ou no politécnico.
Tudo isto conjugado significa que, podendo haver um reforço conjuntural da dotação para apoio a alunos carenciados, a justiça social exige, a prazo, uma alteração na forma de financiamento do ensino superior, com uma maior comparticipação por parte de quem o frequenta e tem posses para tal. O aumento de receitas que tal geraria permitiria reforçar, em muito, as verbas destinadas aos alunos com menos recursos. Por que será que isto não ocorre aos dirigentes universitários? E não é interessante que esta manifestação suceda depois das festas da queima das fitas em que os estudantes gastam, alegremente, mais dinheiro do que as propinas que pagam?
Num contexto em que a dimensão social da crise económica merece particular atenção, é importante perceber que nem só de novos impostos se faz a correcção das injustiças sociais.