O triplo homicídio de Beja estava arrumadinho na gaveta para onde empurro as loucuras monstruosas de que vou tomando conhecimento. Não esperava que alguém pudesse desarrumar essa minha gaveta à procura do monstro de Beja. Mas aconteceu pela junção de dois enormes poderes: o da televisão e o da justiça. Refiro-me à entrevista que a procuradora Maria José Martinho concedeu à RTP e durante a qual falou das motivações que terão levado o monstro de Beja a assassinar mulher, filha e neta. Fiquei, assim, inteirado de que, antes de se suicidar, o monstro confessou que matou os três familiares por não suportar o sofrimento que lhes infligia com a degradação da sua vida financeira.
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Detalhes como o da escolha da catana por ser uma arma silenciosa, ou o da chinfrineira que os outros presos fizeram quando o monstro chegou à penitenciária ou ainda o da conformidade do seu suicídio com os horrores que praticou também passaram para o domínio público. E hão de alimentar muita conversa de café.
Sei que a procuradora foi autorizada a dar a entrevista e sei, porque assisti, da qualidade do trabalho jornalístico. Por isso, nada tenho a dizer no plano das éticas profissionais.
Outra coisa é pensarmos um nadinha nos efeitos do atual sistema de vasos comunicantes entre justiça e média.
De que serve?! Para que serve?!
Na resposta dada ao JN, a Procuradoria-Geral da República referiu que "o processo não está em segredo de justiça e, nada havendo a apurar, irá ser arquivado".
Por um lado, não estando o processo em segredo de justiça, de facto não estava interdito à procuradora falar sobre ele. Por outro lado, estando para ser arquivado de que ângulo da justiça poderia a procuradora sobre ele pronunciar-se?
Entre poder falar ou poder calar-se, o sistema de justiça preferiu o segundo cenário. Provavelmente, materializando a tendência, defendida por alguns magistrados e advogados, de que a informação é a melhor amiga da justiça.
Se, em teoria, posso partilhar desta tese, na prática só a posso aceitar contrastando-a com as circunstâncias, caso a caso.
Assim sendo, no caso vertente, depois de dizer "arquive-se", entendo que a justiça deveria ficar calada.
Ao optar por falar, a justiça entrou por campos das competências específicas de outras áreas científicas, como a psicologia, a psiquiatria ou a sociologia.
Posso perceber as boas intenções da procuradora ou não fosse jornalista e não soubesse da pressão que colocamos a pretexto da transparência da justiça.
O que não concordo é que o sistema de justiça tenha permitido esta entrevista: monstros arquivados não devem ser desenterrados.