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Estávamos num festival de cultura, no centro da cidade de São Paulo. Eu estava no palco, falava com duas autoras sobre livros que escrevemos. De repente, lá ao fundo, na rua, começou a passar uma enorme caravana de bicicletas, fazia parte da campanha eleitoral de Lula, vários ciclistas levavam bandeiras. O público do debate não interrompeu a conversa, mas muita gente levantou o braço e fez um L com os dedos, esticando o indicador e o polegar. Houve um sorriso cúmplice entre todos, sentiu-se a concordância.
No mundo dos livros, é difícil encontrar apoiantes assumidos de Bolsonaro. No âmbito das figuras com mais destaque desta área, contam-se por poucos dedos de poucas mãos. Entre os leitores que se manifestam é muito raro quem faça essa defesa. Na verdade, uma forma fácil de conseguir rápida aprovação na comunidade ligada aos livros, tanto ao vivo, como online, é demonstrar apoio a Lula. São notórios casos de escritores que, dessa forma, aumentaram amplamente os seus seguidores nas redes sociais.
Não custa entender. Em muitos aspetos, o discurso e a prática de Bolsonaro é abertamente contra a leitura, nomeadamente contra a leitura de jornais. Há uma postura anti-intelectual permanente tanto em Bolsonaro, como nos que o rodeiam. A exceção seria Olavo de Carvalho, falecido em janeiro passado, que fumava cachimbo e se autointitulava "filósofo", mas com pouco acolhimento para lá dos defensores de teorias de conspiração.
Há muitos tipos de polarização. É fácil fazer sinais com os dedos, mais difícil é refletir como se chegou a este ponto e como podemos evoluir a partir dele: vivemos num tempo em que a racionalidade compete com a emoção e perde repetidamente.
*Escritor