As alegrias nas nossas vidas podem nem sempre estar ligadas a grandes conquistas, nossas ou de quem nos é querido, a paixões assolapadas, aos golos da nossa equipa ou, sejamos honestos, aos golos sofridos pelos nossos adversários, mesmo face a clubes que não o nosso. Podemos exultar com sucessos profissionais, deleitar-nos com uma peça musical, maravilhar-nos com uma deslumbrante paisagem, mas também é natural que coisas prosaicas nos encham de júbilo. Neste momento, estou feliz por, ao cabo de quatro dias, já tirar pleno partido da máquina de lavar e secar roupa que me vi forçado a adquirir, por via do falecimento da sua esforçada antecessora, essa apenas lavadeira.
Outra alegria vivi-a há dias num café da zona onde resido ainda não há um ano, pois deram-me uma daquelas lembranças reservadas aos clientes já considerados da casa: um utilíssimo porta-chaves que é também corta-unhas e abre-garrafas.
Chega de falar da minha emocionante vida. Na vida, em geral, e nos jornais, em particular, estamos em tempo de fazer balanços, enunciar resoluções e arriscar previsões. Ainda sou do tempo em que, no JN, havia temas que se repetiam ano após ano, fosse por mera rotina ou por reconhecida importância, da feira dos capões de Freamunde aos roteiros do sável e da lampreia, passando, é claro, pelas previsões a cada novo ano do "Doutor Lesagi Zandinga" (tudo entre aspas, pois o autodenominado parapsicólogo nem se chamava assim).
Ora, vejamos onde nos coloca a transição de 2025 para 2026. Estamos exatamente entre o festival de insanidade do presidente dos Estados Unidos, que não é preocupante apenas para os cidadãos daquele país, e a reta final para eleger um novo presidente da República Portuguesa, que só aos portugueses poderá interessar. É nesse contexto que, embora despido dos poderes mediúnicos de Zandinga e sem força para mudar o Mundo, deixo o meu singelo contributo de resoluções para o Ano Novo, baseadas na experiência enunciada a abrir esta crónica. Usar a máquina de lavar, comprovadamente eficaz, não na sociedade em geral, que se quer diversa e participada, mas entre os atores políticos, levando na enxurrada das águas residuais toda a retórica fascizante e alimentadora de ódios que nos impede de viver numa terra feliz. E dar uso ao corta-unhas, aparando as garras dos gatinhos remelentos que se fazem passar por leões da lusitanidade.
Se isso funcionasse, as razões da minha alegria deixariam de ser prosaicas.

