Aprendia-se nas velhas escolas de jornalismo a valorizar a lei do morto por quilómetro, segundo a qual, em nome da proximidade, daríamos mais importância ao acidente que fez dez vítimas na vizinhança do que à tragédia que matou centenas do outro lado do Mundo.
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Pois bem, a lei sobrevive, mas a noção de proximidade, na era da globalização, essa mudou.
Que temos nós a ver com o pânico na Bolsa de Xangai, na China, que em apenas três semanas já perdeu um terço do seu valor, qualquer coisa como três biliões de euros, quase 20 vezes o PIB português e o equivalente a dez vezes o valor da dívida grega? Temos tudo.
Não é só pelo risco de gripar um dos motores essenciais da economia mundial na última década. É que, entre as empresas chinesas cuja cotação parece o Titanic, estão algumas das que dominam centros vitais da nossa economia e condicionam o nosso dia-a-dia, como são os casos da EDP e da REN.
Só em Portugal, e desde 2011, o montante dos investimentos chineses já ultrapassa os 11 mil milhões de euros, o que lhes permite o controlo de empresas que vão desde a produção e distribuição de energia, às águas, à saúde, aos seguros, à imobiliária, à indústria, em breve à banca e, quem sabe, até... à comunicação social.
EDP, REN, Veolia Água, Fidelidade, EDP Renováveis, Espírito Santo Saúde, BESI e Efacec são os casos mais vistosos. Mas dois dos três finalistas na corrida à compra do Novo Banco são investidores chineses (a Fosun e a Anbang, ambas atoladas em Xangai), e não falta por aí quem vocifere contra a possibilidade de passar a ver mais um ativo português escrito em mandarim, a língua de Confúcio.
Entendamo-nos: a história da falência de um dos maiores grupos privados portugueses é conhecida de todos e não é coisa para nos orgulhar. Trata-se, agora, de vender o espólio ao melhor preço, para minimizar, ao menos, os prejuízos que atingem todos os que pagamos impostos.
Mesmo aplicando a lei do morto por quilómetro e descontados os preconceitos xenófobos, o capital não tem pátria, e a manutenção de centros de decisão em Portugal foi farsa que já nem passa nos telejornais.
Espera o melhor, prepara-te para o pior e aceita o que vier, ensina o ditado chinês. No caso da venda do Novo Banco, cuja decisão se espera para breve, que vença o melhor, que pague o preço justo e que respeite as regras. O contribuinte agradece. Porque a escolha não pode estar só entre a economia de casino e o país da raspadinha.