<p>Há pouco mais de um mês, o presidente da República tocou no ponto sensível: a (falta de) qualidade das leis. Muitos de nós não terão dispensado mais do que uns minutos à reflexão sobre o discurso. E no entanto o tema é muito sério. Linguagem pouco rigorosa torna a legislação permeável a interpretações de circunstância e fragiliza a segurança jurídica que é suposto salvaguardar. Em última instância, quem paga são os cidadãos. </p>
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O procurador-geral da República acaba de dar um pequeno-grande passo na denúncia dos tratos de polé a que entre nós são submetidos os diplomas legais. Pinto Monteiro apresentou aos deputados verdadeiras "pérolas": frases em que o sujeito é abruptamente separado do predicado por uma vírgula, palavras aportuguesadas à pressão, disposições que, de tão genéricas, se tornam vazias de conteúdo, perdendo a eficácia sancionatória.
Particularmente acintosa, a intervenção do procurador quase me levou a lançar uma petição para que seja desde já nomeado professor de Português... "Técnico". Director regional da Educação do Norte, não - só a titular do cargo tem talento para, num e-mail enviado aos professores, escrever "sendo certo que muitos docentes não se aceitam o uso dos alunos nesta atitude" (sic). Autor de textos para o computador Magalhães, também não. Para exercer a função, sabe-se agora, é indispensável deter a 4ª classe. E como o procurador, por sua conta e risco, acrescentou uns anitos à formação de base, nunca conseguiria dar 80 e tal pontapés na gramática num só jogo dito "educativo" (mal de nós se deixamos os filhos à mercê de tão inovadora tecnologia...).
Como não posso nomear Pinto Monteiro professor, nem por decreto, decidi seguir-lhe a veia de coca-bichinhos. Assim descobri, na proposta de lei sobre violência doméstica, que quase todos os tiros acertam nos melros. Um exemplo: no artº 5º, garante-se a "toda a vítima... igualdade de oportunidades para viver sem violência" (sic). Seja lá o que for que isto queira dizer, não é certamente que cada um de nós tem direito a um máximo de dois tabefes ao longo da vida.
Como se chegou a esta situação? Com laxismo no ensino, redução do grau de exigência, desvalorização da língua no contexto educativo? Provavelmente. Porém, a constatação desses erros, que urge corrigir, deveria justificar uma criteriosa selecção das aptidões linguísticas de quem produz legislação. Suspeito que a condição para ser "bom" a produzir leis é, em muitos casos, filiar-se na "Jota" do partido que pode ser Governo, mostrar serviço na associação de estudantes de uma faculdade de Direito e, no final do curso, entrar em gabinetes jurídicos de ministérios. Sem perguntas atrevidas sobre se sabe juntar o sujeito e o predicado...