Se há algo que Portugal produz em grande quantidade e sem dificuldades de maior, são leis e obras! Leis e obras, são, como todos sabemos, panaceias que se aplicam em qualquer circunstância e seja qual for o problema a resolver. Seja em tempos de bonança, seja em tempos de crise como os que agora vivemos. As leis raramente se discutem porque, desde logo, ninguém pensa que sejam para cumprir e, depois, porque, à partida, são fáceis de fazer e de desfazer porque são, sobretudo, papéis! Sendo assim, fazer ou ter leis dá uma grande paz de espírito porque, no fundo, sempre se poderá dizer que quando se faz uma lei é porque alguma coisa está a mexer (ainda que nada mude) e quando a lei está feita, está tudo escrito. Claro que há leis que ocupam muito espaço público e mediático mas, não raro, estamos a tratar mais da espuma das coisas do que do fundo dos problemas.
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Já com as obras a coisa é um pouco mais complicada porque não são bem como as leis, ou seja, uma vez feitas, já não são fáceis de desfazer ou de arrumar na arrecadação das coisas sem préstimo nem uso e, em geral, ficam para sempre, ainda que se revelem inúteis ou desnecessárias. Mas, sempre que se fala de obras, a discussão anima a praça. E, então, há opiniões para todos os gostos: uns, preferem-nas grandes e quanto mais públicas melhor; outros, preferem-nas pequenas ou mesmo grandes mas o mais possível privadas; outros, ainda, não querem agora as que sempre quiseram e em que sempre pensaram e, outros ainda, e ao contrário, querem agora as que nunca tinham previsto nem proposto. E assim por diante, consoante se está mais perto ou mais longe da fonte de onde podem jorrar os benefícios.
Convenhamos, no entanto, que estes fenómenos não são de agora mas também não têm assim tanto tempo que se possa dizer que se trata de tradições portuguesas muito antigas! Do que não restam dúvidas é que nem umas nem outras nem ambas ao mesmo tempo e só por si, lograram transformar qualquer país e, muito menos, de forma substancial, profunda e duradoura. A realidade é que, no essencial, obras e leis são, sobretudo, instrumentos e não mais do que isso. Objectivos e metas são outra coisa!
O problema é que há nisto da profusão de leis e de obras um problema que não é novo mas em que pensamos pouco: é que a abundância não é nem nunca foi sinónimo de qualidade e pode mesmo significar o contrário. A verdade é que mesmo que a quantidade fosse condição de qualidade, o facto é que, tanto umas como outras são, hoje, de má qualidade ou, pelo menos, de qualidade mais do que duvidosa. E são más ou de qualidade duvidosa porque, embora tendo como objectivo serem úteis e produzirem efeitos positivos, a verdade é que não tem sido, esse, o seu efeito real e, sobretudo, o seu efeito mais generalizado e duradouro.
Basta, para tanto, verificar a situação em que hoje nos encontramos e para a qual utilizamos uma expressão que se concretiza no uso (e abuso) da palavra "crise" e que não é só económica. É que, ao conferir ao tempo que corre e ao modo como corre, um carácter de simples "crise" e, portanto, um carácter meramente passageiro, circunstancial, provisório ou temporário, corremos o risco de obscurecer a realidade e de fazer com que, do diagnóstico à medicação, nada mude e, portanto, que ao doente não venha a ser dada a oportunidade da cura! É que a cura não decorre do uso mais ou menos exímio dos instrumentos que são necessários para a obter mas que, para o efeito, não são suficientes. Definitivamente.