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Jogamos no campo das probabilidades muito certas. As jornadas parlamentares conjuntas do PSD e do CDS-PP já terminaram neste fim de semana e terão sido as últimas da sua história. Heróicos os tempos, em Outubro de 2012, quando o primeiro encontro do Conselho de Coordenação da Coligação (CCC) anunciou a sua grandiosa resolução: os partidos do Governo promoveriam jornadas parlamentares anuais na Assembleia da República, uma espécie de surto adulto das "universidades de verão" inspiradas nas juventudes partidárias, desviadas para o Outono, estação mais propícia a arejar o tempo por altura da entrega da proposta de Orçamento do Estado (OE).
E assim foi em 2012, nesse fim do mês de Outubro, com o OE-2013 em cima da mesa e as eleições autárquicas à ilharga. As delegações de ambos os partidos à CCC, lideradas por Jorge Moreira da Silva e Nuno Melo, viviam tempos de equilíbrio no arame e tentativas de compreensão mútua. O caminho fazia-se mar adentro. O poder que as eleições legislativas lhes tinha conferido exercia-se há pouco mais de um ano e o episódio da demissão "irrevogável" de Paulo Portas projectava-se à distância de largos meses. Paz, segundo Passos. Traduzindo, faltavam 10 meses para Paulo Portas largar a pasta dos Negócios Estrangeiros para se assumir, supersónico, como vice-primeiro-ministro com a responsabilidade da coordenação económica, reforma do Estado e das negociações com a troika. Com Passos Coelho a recusar o pedido de demissão de Paulo Portas, assim chegámos às segundas jornadas parlamentares conjuntas do PSD/CDS-PP, no Outono de 2013, com o OE-14 em cima da mesa e já com os sobrolhos franzidos pelos olhares crispados. Era a coligação que tremia e estavam, novamente, encerrados em jornadas. Já ninguém sabia bem quem era quem.
A cada ano repete-se o teste de stress. Este ano, perante o anunciado fim do Governo nas próximas eleições legislativas, as jornadas parlamentares saíram em defesa de dois ministros com necessidades bem maiores de crédito do que o BCP, chumbado no teste de stress pelo Banco Central Europeu. Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz bem podem negar as evidências, à semelhança do presidente do BCP, Nuno Amado: nem o BCP terá um "equilíbrio operacional" sem despedir centenas de trabalhadores, nem o Governo limpará a imagem de descontrolo no Ensino e na Justiça sem enfrentar as culpas no cartório e deixar de lavar as mãos. Enquanto milhares de alunos e centenas de professores se conhecem por umas horas (olá, adeus) para rapidamente se perderem no rasto da patética (não) colocação de professores nas escolas, no programa informático Citius desaparecem processos como grãos de areia na engrenagem de um mar revolto. Neste ano judicial e neste ano lectivo, tribunais e escolas ainda não funcionam a meio-gás com a agravante de todos sabermos que, na realidade, nunca funcionaram em pleno. Há quem apelide as falhas de "custos inevitáveis das reformas" mas também há quem não perceba quem e o que se está a tentar proteger com tamanha violência sobre dois dos vectores mais estruturantes de um país onde se tenta viver a custo.
Imagino o alívio ministerial no fim das jornadas parlamentares do Governo deste ano. Se em 2012 se vivia um romance pífio, as verdadeiras jornadas de terror aconteceram em 2013. Neste fim de semana, ter-se-á instalado a sensação de que em 2015 já não vão ter de cruzar-se novamente em olhares outonais, emboscados à porta do hemiciclo ou a cirandar pelos corredores de labirinto em busca de desculpas desconjuntadas para justificar um orçamento "leiam nos meus lábios".
Quando George W. Bush proferiu a frase "Read my lips: no new taxes", aquando da sua nomeação como candidato presidencial na Convenção Republicana em 1988, todos sabemos o que aconteceu no momento em que foi eleito presidente dos Estados Unidos à custa dessa promessa: aumentou os impostos. A inequívoca vantagem deste Orçamento do Estado para 2015 é que, neste Governo de morte anunciada, já ninguém se dá ao trabalho de ler nos lábios para tentar perceber. A mentira segue por escrito.