Excertos de um "Diário de Lisboa", datado de Dezembro de 2010: Segunda - Outro Natal apertado. O M., que continua a viajar, apesar da catástrofe na Escandinávia, diz-me que, no novo centro comercial de Westfield, em Londres, "o maior da Europa", é um fiasco.
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"Mas quem é que se lembrou de inaugurar o mastodonte, mesmo em cima da crise de 2008? Já agora, lembras-te da crise de 2008?", pergunta-me, enquanto bebemos um "Kimbalino" (a antiga "Cimballi" foi comprada pelos russos) rápido, num dos poucos restaurantes da rua que não fecharam este ano.
"Lembro-me. É mãe desta…". Pensei megalojas que se foram inaugurando por aqui, enquanto outras se afundavam. As que fecham deixam as carcaças nas grandes artérias, como templos pré-colombianos, esvaziados dos seus fiéis e sacerdotes.
A seguir às casas com poltergeist, centros comerciais assombrados. Mas imagino que é preciso seguir em frente, e repetir os mesmos erros dos dinossauros.
Terça - Toda a manhã no IPO. Há quatro anos, este carro, juro, era novo. Agora sofre. Foram muitos meses a passar pelas "artérias" de Lisboa, que já foram ruas calafetadas, e hoje são campos de minas. A Câmara Municipal, em si, também continua minada, e a última mudança "só gerou mais instabilidade", como reconhece, ipsis verbis, a nova estrela ascendente.
Visita nocturna, com o K., à sopa dos pobres. Quis-me mostrar as novas gerações de estrangeiros que, por várias razões, estão sem emprego, nem esperanças dele, nesta cidade que teima em ser admirável.
Quarta - Sonhei com o Frank Zappa, e com a paródia ao ex-candidato negro Jesse Jackson: "rhymin'man/tall and tan". Um político alto, moreno, que gosta de rimar e jogar com as palavras? Não estou a ver, sinceramente.
Telefonema de Washington. ALH inquieta-se com o futuro do seu partido.
"A senhora partiu a louça toda. Você já viu a gente que arrasta para os comícios? O DF dizia que ela não era só contra as ideias de Esquerda: era contra todas as ideias. O GW chamava-lhe "Ahmadinejad de saias". É Ahmadinejad que se diz, não é? Estou a falar daquele homem do Irão, quando eles se davam mal connosco…"
"Pois, A., mas são quatro da manhã aqui…".
Foi difícil disfarçar a irritação. Como é que acabaria o sonho do Zappa?
"Desculpa, vou ser muito breve. Dizem isso tudo, mas o certo é que tem ali uma multidão, derretida, extasiada. É uma espécie de Santa Joana. Aliás, ela descobriu agora a Joana d'Arc, e não se cala com a fogueira… O partido, claro, está de rastos, aberto ao meio e sem conserto. O JB quer avançar, mas já lhe disse que não estamos ainda preparados para mais arbustos…".
ALH estava com a corda toda.
"Arbustos?".
"Não, Bushes. E como é que está por aí a senhora do PSD? E o amigo do Chávez? Lembras-te quando éramos os piores adversários do Mundo?".
Chávez? PSD? Às quatro da manhã?
"Olha, conseguiu sobreviver. À crise, às eleições, às conspirações, aos novos candidatos… É obra!".
"Muito bem, muito bem… E achas que os governos minoritários se safam, agora com o teu presidente cada vez mais interveniente?". ALH começava a soar como um analista político.
"Podemos falar depois de acabar com o Zappa?".
"Perdão?".
"Quando acordar, está bem? Estou a meio de um sonho…"
Sexta - Porquê? Quem é que estaria interessado em causar tanta dor, no centro mais tolerante da Europa? Por amor de Deus, não me falem dos suspeitos do costume.
Sábado - A Espanha quer chamar-lhe "Tratado de Madrid". Passará?
Non pasarán, diz o candidato a presidente da Catalunha. Mas não sei. Como as coisas estão…
Westfield, Londres
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