<p>Há realidade e ficção, na aventurosa visita de Obama ao Médio Oriente, nas eleições europeias, nos casos que empecilham a política portuguesa. Todos os presidentes americanos prometeram um "novo começo". Obama voltou a fazê-lo, na Universidade do Cairo. Mas houve uma diferença: o orador parecia acreditar verdadeiramente no que dizia.</p>
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Não me lembro de ver um chefe de Estado americano lembrar a sua origem cristã, num estado islâmico, ao mesmo tempo que se referia ao "sagrado Corão".
Não me lembro de ver um chefe de Estado americano, sobretudo democrata, afirmar que os EUA não pretendem exportar um modelo político determinado, a qualquer país do Mundo, e que cada um deve governar-se segundo a sua história, tradição e vontade nacional.
Não me lembro de ver um chefe de Estado americano "quadrar o círculo": isto é, advogar um mínimo ético para toda a humanidade, sem renegar essa promessa de não impor um sistema.
Não me lembro de ver um chefe de Estado americano afirmar que o "Islão faz parte dos EUA", do seu passado e do seu presente.
Não me lembro de ver um chefe de Estado americano advogar um Mundo sem armas nucleares.
Quando à necessidade de um estado palestiniano, ao lado de uma nação israelita, houve mais reiteração do que novidade. O mesmo sobre Teerão: não se falou no convite (o primeiro em 30 anos) a representantes iranianos, para o dia nacional dos EUA.
Mas o gesto será feito, embora sujeito à discrição de cada embaixada no Mundo: a directiva do Departamento de Estado diz que, para o 4 de Julho, a missão em causa "pode convidar" iranianos. Não diz que "tem de convidar". O grão de sal está lá.
Obama, que tocou todas as teclas certas para um público muçulmano, lembrou ainda que, no capítulo das lendas, convém não desviar a narrativa: assim como é errado ver o Islão sob um estereótipo, é errado que o Islão veja o Ocidente estereotipado.
Nas eleições europeias, é mais que sabido que, não havendo consequências políticas internas do sufrágio (embora se fale outra vez em remodelação executiva), e estando-se perante uma espécie de "jogo amigável", ou "particular", é o primeiro momento para contar baionetas.
Sendo certo que a revolta contra as políticas públicas se fará sentir, provavelmente espalhando os votos da velha maioria entre quatro ou cinco partidos, torna-se crucial, para qualquer mudança, julgar a soma dos votos de PP e PSD.
Parecem estes os únicos capazes de um governo alternativo. PCP e BE fizeram boas campanhas, mas não são associáveis entre si, e não são associáveis ao socratismo. Estão assim, apesar das lendas, fora da zona de governabilidade.
Nada disto lhes retira brilho, legitimidade, possibilidade de crescimento. Mas a alternativa ao PS, a haver, não virá desta "esquerda".
Por fim, os "casos": do BPN ao Freeport, o que parece mais confrangedor é o clima de "subentendido". Há sempre uma mensagem oculta, geralmente ameaçante, em tudo o que os agentes políticos dizem.
Por isso é que precisamos de uma entidade judicatória, independente.
Costumamos chamar-lhe "tribunal". Não é, ou não era, uma lenda. Mas a sua narrativa anda deteriorada.
P.S.:Há 20 anos, quando caía o Muro de Berlim, a China ensanguentava-se na Praça Tienamen.
Mostrando que cresce, que se liberta, que muda, Beijing não deve ter medo de deixar relembrar este sinistro passado. A absoluta cegueira de Li Peng, e a relativa coragem de Jiang Zemin deviam, por exemplo, ser mais conhecidas.