É cedo para tentar adivinhar como ficará José Sócrates na História de Portugal. E se é cedo para traçar esse retrato, mais cedo ainda é para lhe passar a certidão de óbito político que os seus adversários há muito tinham na gaveta e que, asseguram, com a capitulação perante Bruxelas e as medidas anticrise aprovadas, chegou o momento certo de apresentar.
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A verdade é que Sócrates teve uma semana "horribilis" que nem a visita do Papa conseguiu abafar e menos ainda os resultados efusivamente festejados do crescimento conseguiram atenuar.
Sócrates saiu vencedor das últimas eleições perdendo os anéis da maioria absoluta mas fugindo para a frente e beneficiando de um discurso bafiento do seu principal opositor, o PSD. Dir-se-ia que, nessa altura, enganou a crise. Ele saberá se o fez convencido de que a situação se inverteria ou se agiu com o instinto do animal político que precisa de vencer umas eleições, a todo o custo, mesmo sabendo que o mundo lhe cairá em cima, mais cedo ou mais tarde. Caiu agora. Sócrates reconhece hoje resultados que sempre negou e adopta medidas que sempre renegou. Mas salva-se, politicamente. Permanece à tona. A situação económica é tão má, a divisão política tão grande, que até o PSD, o primeiro a poder beneficiar desta "catástrofe", prefere esperar por melhores dias, suspeitando que para Sócrates a situação não tem remédio, mesmo que a saúde do país recupere.
Na entrevista que hoje concede ao JN, Pedro Passos Coelho afirma não acreditar numa "conclusão categórica" da comissão de inquérito PT/TVI (o que eu, pessoalmente, leio como um aviso aos seus próprios deputados) e diz que prefere ver o primeiro-ministro sair do Governo por razões políticas, ou seja, prefere batê-lo em eleições. Possivelmente é o que sucederá: os dois encontrar-se-ão um dia, quando a crise abrandar, eventualmente logo depois das Presidenciais. Aí chegados, Passos e Sócrates terão em comum a aprovação destas medidas, terão enfrentado em comum uma ampla contestação social (a que está aí mesmo a chegar e a que o líder do PSD também não escapará) e terão em comum ainda a ira dos restantes partidos da Oposição que ambos acabam de relegar para plano secundário porque ambos, sozinhos, traçaram as linhas com que vamos coser o futuro.
É por isso que é melhor não passar, por enquanto, a certidão de óbito político a Sócrates. Ele parte claramente atrás de Passos e só não cai agora por a situação económica ser a que é. Até às eleições, ele passará ainda grandes provações, sujeitar-se-á a críticas várias, até no interior do PS. Mas até às eleições, o PSD, que está a cumprir um caminho diferente do de Manuela Ferreira Leite, claramente mais atraente e possivelmente não menos duro, terá de provar os seus méritos. Até às eleições, a Oposição de Esquerda terá de fazer mais do que política de bota-abaixo e o CDS terá de encontrar o seu caminho, ou mais colado ao PSD, ou sozinho, mas mais exposto a um desaire. Convém não desdenhar dos socialistas e do seu apego ao poder. Ainda é cedo para os ver derrotados.
P. S.: O mais importante da visita papal passou-se nos céus, algures entre Roma e Lisboa. Perante os jornalistas que com ele faziam a viagem para Portugal, Bento XVI desautorizou os que no seio da hierarquia se defendiam cobardemente das críticas de que eram alvo por causa do encobrimento de padres pedófilos. O Papa foi claro: há pecadores no seio da Igreja e esses são os seus primeiros inimigos. Os que clamavam - bispos e cardeais incluídos - que a Igreja e o próprio Papa estavam a ser alvos de ataques viram-se remetidos ao silêncio e a um espaço onde se espera (não) recuperem da vergonha. Como alguém disse com felicidade, nesta viagem, o Papa foi menos Ratzinger (apesar da insistência de utilizar o latim em algumas cerimónias litúrgicas) e mais Bento XVI. Pode ser que, daqui em diante, a Igreja ponha de lado a política da avestruz.