Em 1970, Portugal tinha 25,7% de analfabetos, que diminuíram para 5,2% em 2011. Nem sempre avaliamos o que significa esta conquista e como é decisiva para a construção da democracia, mas os desafios atuais são ainda maiores e não basta saber ler e escrever.
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Em 2006, foi lançado o Plano Nacional de Leitura (PNL), que se tornou uma das mais importantes iniciativas junto de crianças e jovens para o desempenho escolar. Um ano depois, Isabel Alçada, comissária do PNL e sua grande impulsionadora, assinalava a participação de quase 9000 escolas e jardins de infância, ambicionando que os hábitos de leitura se estendessem a toda a sociedade. Passados dez anos, o PNL tem novas linhas orientadoras com uma aposta na literacia científica e digital, o que implica a interação de diversas áreas de conhecimento e uma ação conjugada da educação, da ciência e da cultura.
Nunca se leu tanto como hoje, mas a grande dificuldade é agora a invasão digital e a qualidade do que é lido. A informação chega através das redes sociais, que determinam modos de pensar e condicionam a perceção da realidade.
As eleições no Brasil são mais um caso de vitória das redes sociais, com o candidato a conduzir a campanha a partir de casa e quase apenas por via digital. Claro que os seus tentáculos se estenderam através das poderosas igrejas evangélicas, contribuindo para a ideia de eleito providencial que Bolsonaro confirmou em primeiras declarações - "não sou o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos" -, o que servirá para justificar as opções políticas. A mais recente é a escolha do juiz Sérgio Moro, responsável pela condenação de Lula da Silva, que será ministro da Justiça e da Segurança Pública, incluindo a tutela das polícias, o que só por si representa grave e perigoso atropelo à separação de poderes. Moro fez tudo para impedir a candidatura do antigo presidente, o que agora parece objetivo menos do lado da justiça e mais determinado por escolhas políticas.
Nestes tempos de realidade virtual e de informação manipulada, continuaremos analfabetos se não desenvolvermos a capacidade de interpretar e interagir com o Mundo. Sem darmos conta, as redes sociais em que nos movimentamos e a informação que escolhemos são uma espécie de bolha partilhada pelos que pensam como nós. Só rompendo essas bolhas seremos capazes de pensar criticamente e aprenderemos a ler entre linhas para continuarmos livres.
* PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
