Corpo do artigo
Uma das influencers com mais seguidores em Espanha, María Pombo, originou uma inesperada discussão sobre o efeito moral da literatura. Defendendo as suas estantes vazias e a tese de que há pessoas que simplesmente não gostam de ler, concluiu com um contundente aviso de que quem gosta "não é melhor por causa disso". Seguiu-se um debate sobre a alegada superioridade moral dos leitores, com artigos a citarem estudos avaliando, por exemplo, se ler reforça a empatia, na medida em que nos coloca perante contextos e emoções diversos dos nossos. Desengane-se quem esperava respostas: não há conclusões evidentes.
Mais óbvios, em contrapartida, são os relatórios que demonstram a relação direta entre os níveis de leitura e as competências de interpretação. Segundo o relatório "Education at a Glance 2025", divulgado esta terça-feira pela OCDE, quatro em cada 10 portugueses entre os 25 e os 64 anos só conseguem compreender textos simples e curtos. Portugal está entre os países com pior desempenho, ficando apenas à frente do Chile.
O inquérito anual promovido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros aponta iguais motivos de preocupação. A média de livros lidos por pessoa desceu em 2024. E continua a haver uma expectável relação entre a compra de livros e o grupo socioeconómico. Como crescer em casas com livros induz hábitos de leitura, facilmente se conclui que é preciso introduzir medidas corretoras das desigualdades. É aqui que entram as bibliotecas escolares e o Plano Nacional de Leitura e não se compreende que, perante tantas dúvidas lançadas sobre o futuro, o Governo não seja mais assertivo. Não basta dar garantias de que não serão extintos. É preciso explicar como se enquadram na nova estrutura orgânica, com que recursos e com que grau de autonomia.
O mundo é (e está) complexo. Não precisamos de acreditar que a literatura cultiva valores e aproxima pessoas - ainda que inequivocamente muita dela o faça. Mas é imperioso que as palavras sejam caminho para compreendermos o que nos rodeia. Os números sombrios do país nas comparações internacionais sobre leitura e literacia deveriam fazer os organismos públicos corar de vergonha.