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O preço do petróleo cai, a gasolina nem por isso. Nos últimos 12 meses, enquanto o preço do crude caía para metade, o preço que pagamos para atestar desceu menos de um décimo. Explicações há muitas, mas a conversa das petrolíferas é como a escrita de médico. E é neste doce engano que nos embalam, governos e reguladores incluídos.
Contas redondas, a cotação do petróleo só representa um quarto no preço final dos combustíveis. O resto, dizem eles, são custos de transporte, refinação, margem para as empresas e, claro, quase dois terços para impostos.
Confiar em quem? Há quase oito anos, pelo S. João, o barril de petróleo ultrapassava os 140 dólares e os bancos do costume (Goldman Sachs à cabeça) antecipavam que ele atingiria em breve os 200. Agora, ronda os 30 e são os mesmos bancos a profetizar que pode cair abaixo dos 20. Assim é o jogo da especulação, e são esses os senhores da guerra, deus nos livre!
Há mais de um século, quando o primeiro lorde do almirantado inglês decidiu substituir o combustível do poderio britânico (petróleo em vez de carvão na sua frota), estava a configurar o mundo em que vivemos. Sim, tudo evoluiu e modernizou. Mas o desenho é impostor. O rasto de conflitos ao longo de décadas, do Médio Oriente às Torres Gémeas e aos últimos atentados que conhecemos, tresanda a disputas pelo petróleo. É a maldição desse tesouro cobiçado. Porque, descontada a Noruega e poucas mais, a desigualdade é a marca maior das nações bafejadas pelo líquido negro que faz sumariamente alguns ricos e miseráveis milhões de outros.
Explicam, agora, que a culpa é do arrefecimento da economia chinesa. Eles estão a comprar menos, logo, há mais oferta que procura e, logo, o preço baixa. Mas entre os produtores estão as economias emergentes que foram o motor do crescimento mundial, impulsionadas pelo preço alto do crude. Essas estão hoje de olhos em bico e sufocadas pela hecatombe do valor do seu petróleo nos mercados. Brasil e Angola na lista. E as ondas de choque a chegar.
Energia mais barata, que bom! Mas o que poupamos em combustíveis vem-nos na fatura, por outra porta. As exportações portuguesas para Angola, por exemplo, já caíram mais de 30% no último ano e muitas empresas que aí operam estão aflitas e a gerar mais desemprego.
Por cá, ainda, ao mesmo tempo que travámos o investimento em energias limpas que são nossas, como o vento e o sol, andámos a contratar a prospeção de petróleo no mesmo Algarve onde queremos turistas. Como quem diz: Quando já tínhamos algumas respostas, mudaram-nos as perguntas. Eis a metáfora do tempo incerto que vivemos.
*DIRETOR